Folha de S.Paulo
16.9.2004 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004
TEATRO
Artistas passam duas semanas em aldeia, no Mato Grosso, para montar peça que será apresentada em oca no Sesc
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Vestindo informalmente um macacão cáqui, sobre camiseta branca, o bem-humorado encenador francês Jean Lambert-Wild destoa do cenário administrativo de um prédio na avenida Paulista e parece preparado para a aventura à qual se propõe.
Desde ontem, ele e alguns artistas da sua trupe, a Cooperativa 326, estão na aldeia Etêñiritipa, dos índios xavante de Pimentel Barbosa, no Mato Grosso.
A equipe vai passar ali duas semanas, período em que ganhará formato o espetáculo “In My Dream, I Start Walking” (“Em Meu Sonho, Começo a Andar”), que tem pré-estréias programadas para 1º a 3 de outubro na oca instalada provisoriamente no Sesc Belenzinho, em São Paulo.
Trata-se de um braço do projeto “Metamorfoses”, que será mostrado em 2005 no Festival de Teatro de Avignon, dentro do Ano do Brasil na França.
No centro da aldeia
Lambert-Wild encontrou os xavante pela primeira vez em 2002. Relatou seu sonho de trabalhar com eles. Foi aprovado pelo “wara”, palavra que designa ao mesmo tempo o centro da aldeia e o conselho no qual os índios tomam decisões.
“Pode parecer idiota, mas há cerca de três anos sonhei que trabalharia num lugar do Brasil, cuja geografia desconheço. Cheguei à verdade simples, à inteligência “naif” dos xavante, que se tratam entre si como “homens da verdade”. Eles me aceitaram e vamos sonhar juntos”, diz Lambert-Wild, 32.
O discurso é subjetivo. “Os franceses são objetivos?”, devolve. “Talvez por isso eles aparentam tanta tristeza”, acrescenta.
E insiste. “Ainda se pode compartilhar um sonho na era dos sonhos de consumo?”, coloca o encenador que voltou da primeira visita à aldeia xavante considerando que aqueles índios são “guerreiros da poesia, por penetrarem o cosmos que não conseguimos”.
Reconhece que a melhor palavra para definir o projeto é “utopia”, o que condiz com a investigação artística da parisiense Cooperativa 326, voltada para as artes cênicas, visuais e musicais, da qual é diretor-artístico desde 1998.
Lembert-Wild nasceu na ilha Reunião, departamento ultramarino francês, e sente-se um “exilado na metrópole”.
Para conceber o que pretende uma instalação sonora, “um wara sonoro e poético”, o espetáculo inclui quatro integrantes da companhia, entre eles o músico e compositor Jean-Luc Therminarias.
Atuação indígena
Haverá participação de cinco xavantes (uma das primeiras apresentações de rituais fora da aldeia aconteceu nos anos 90, quando um grupo viajou até São Paulo para um evento ao ar livre no Sesc Ipiranga).
Lambert-Wild, sua equipe e os índios chegam ao Sesc Belenzinho no próximo dia 27. Devem trazer um roteiro comum. Juntam-se a eles, então, a atriz Simone Spoladore e o ator francês Stéphane Pellicia.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.