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Folha de S.Paulo

“Terrorismo” busca o consciente em farsa

5.10.2004  |  por Valmir Santos

São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

TEATRO 
Cristina Cavalcanti encena texto inédito dos irmãos Presnyakov, representantes da nova dramaturgia russa 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Tudo em “Terrorismo” tomba para a ordem do dia, ainda que em tom de farsa trágica: a ameaça de bomba em avião, o conflito étnico, o sadismo de soldados, o suicídio etc.

O mundo lá fora é só apocalipses, mas a costura desse texto da nova dramaturgia russa, cuja primeira montagem estréia hoje no Viga Espaço Cênico, é feita do que vai pela consciência de personagens à beira da explosão.

Foi em 2000, antes da atual onda terrorista naquela federação (o teatro em Moscou, a escola em Beslan), antes mesmo do 11 de Setembro, que os irmãos Oleg e Vladimir Presnyakov, nascidos na região da Sibéria, verteram para o papel a cadeia de (auto)destruição em marcha, não é de agora.

“A nosso ver, nos anos 90, formou-se nitidamente um novo tipo de consciência, para a qual o ponto de referência de valor não é mais a criação, mas a destruição”, diz Oleg, professor universitário de literatura russa. Ele e Vladimir, professor de psicologia e pedagogia, ambos na casa dos 30 anos, responderam por e-mail a questões mediadas pela diretora da peça, Cristina Cavalcanti, e pela tradutora Klara Gouriánova, russa naturalizada brasileira.

“Terrorismo” contém seis cenas, fragmentos que sugerem um quebra-cabeça. O passageiro tenta embarcar, mas o aeroporto é fechado devido a malas suspeitas. Enquanto isso, na casa dele, a mulher contracena no jogo de fetiche com o amante, amarrada à cama. Num escritório, uma funcionária se enforca na sala do psicólogo. Numa caserna, soldados antiterroristas riem de fotos tiradas de vítimas de bombas.

Numa praça, duas velhinhas reclamam da “moda das etnias”, até que um sujeito com malas se aproxima. Finalmente, o passageiro da primeira cena reaparece sentado num avião. Dificuldades em afivelar o cinto.
Com tal sinopse, a peça, que já foi montada pelo Teatro de Arte de Moscou e pelo Royal Court de Londres, poderia decolar para maniqueísmo, mas evita culpas.

“É uma peça sobre uma sociedade contaminada pelo medo e que acaba, assim, agindo contra si mesma. A simples idéia de que o terror possa acontecer já é corrosiva e causa danos irreparáveis”, diz a diretora Cavalcanti, 35, que debuta no ofício.

A ênfase é na expressão corporal e na relação do ator com o espaço (a cenografia se resume apenas a seis cadeiras mutantes). A transição de cenas é feita às claras, assumindo-se os figurinos que se repetem e apoiando-se no movimento de luz. 



Terrorismo. 
De: Oleg e Vladimir Presnyakov. Tradução: Klara Gouriánova. Direção: Cristina Cavalcanti. Com: Visceral Cia. (Eduardo Semerjian, Marcos Cesana, Marcelo Góes, Lilian Blanc, Tatiane Daud, Maristela Chelala, Vera Kowalska, Marcelo Pacífico, Rogério Rizzardi e Cristina Cavalcanti). Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote Valente, 1.323, Pinheiros, tel. 3801-1843). Quando: estréia hoje, às 21h; ter. e qua., às 21h; até 15/12. Quanto: R$ 20.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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