Folha de S.Paulo
5.10.2004 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004
TEATRO
Cristina Cavalcanti encena texto inédito dos irmãos Presnyakov, representantes da nova dramaturgia russa
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Tudo em “Terrorismo” tomba para a ordem do dia, ainda que em tom de farsa trágica: a ameaça de bomba em avião, o conflito étnico, o sadismo de soldados, o suicídio etc.
O mundo lá fora é só apocalipses, mas a costura desse texto da nova dramaturgia russa, cuja primeira montagem estréia hoje no Viga Espaço Cênico, é feita do que vai pela consciência de personagens à beira da explosão.
Foi em 2000, antes da atual onda terrorista naquela federação (o teatro em Moscou, a escola em Beslan), antes mesmo do 11 de Setembro, que os irmãos Oleg e Vladimir Presnyakov, nascidos na região da Sibéria, verteram para o papel a cadeia de (auto)destruição em marcha, não é de agora.
“A nosso ver, nos anos 90, formou-se nitidamente um novo tipo de consciência, para a qual o ponto de referência de valor não é mais a criação, mas a destruição”, diz Oleg, professor universitário de literatura russa. Ele e Vladimir, professor de psicologia e pedagogia, ambos na casa dos 30 anos, responderam por e-mail a questões mediadas pela diretora da peça, Cristina Cavalcanti, e pela tradutora Klara Gouriánova, russa naturalizada brasileira.
“Terrorismo” contém seis cenas, fragmentos que sugerem um quebra-cabeça. O passageiro tenta embarcar, mas o aeroporto é fechado devido a malas suspeitas. Enquanto isso, na casa dele, a mulher contracena no jogo de fetiche com o amante, amarrada à cama. Num escritório, uma funcionária se enforca na sala do psicólogo. Numa caserna, soldados antiterroristas riem de fotos tiradas de vítimas de bombas.
Numa praça, duas velhinhas reclamam da “moda das etnias”, até que um sujeito com malas se aproxima. Finalmente, o passageiro da primeira cena reaparece sentado num avião. Dificuldades em afivelar o cinto.
Com tal sinopse, a peça, que já foi montada pelo Teatro de Arte de Moscou e pelo Royal Court de Londres, poderia decolar para maniqueísmo, mas evita culpas.
“É uma peça sobre uma sociedade contaminada pelo medo e que acaba, assim, agindo contra si mesma. A simples idéia de que o terror possa acontecer já é corrosiva e causa danos irreparáveis”, diz a diretora Cavalcanti, 35, que debuta no ofício.
A ênfase é na expressão corporal e na relação do ator com o espaço (a cenografia se resume apenas a seis cadeiras mutantes). A transição de cenas é feita às claras, assumindo-se os figurinos que se repetem e apoiando-se no movimento de luz.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.