Menu

Folha de S.Paulo

Encena cria “Uma Relação Pornográfica”

19.2.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2005

TEATRO 
Chega a SP montagem do grupo mineiro de texto de Philippe Blasband -obra já fora adaptada ao cinema em 1999

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

Eles vão ficando, na acepção juvenil do termo, mas são traídos pelo sentimento amoroso. Maduros, um homem e uma mulher combinam que é só sexo. Não sabem seus nomes, idades, profissões, endereços etc. Aos poucos, evoluem para as demandas típicas dos seres enamorados.

Ninguém deseja impunemente, subentende-se em “Uma Relação Pornográfica”, o texto do iraniano Philippe Blasband, 40, radicado na Bélgica. A primeira montagem brasileira da peça estreou ontem no teatro Ruth Escobar com o grupo Encena, de Belo Horizonte, para temporada de duas semanas.

Blasband primeiro escreveu um roteiro para cinema dirigido por Frédéric Fonteyne em 1999 e exibido no Brasil. A peça veio depois.

“É uma proposta indecente que se transforma numa relação amorosa”, diz o diretor Wilson Oliveira, 48, um dos fundadores do Encena, há 20 anos.

Uma mulher (Christiane Antuña) busca acompanhante nos classificados de jornal. Encontra um homem (Ivan Reis) para realizar a fantasia de transar com um desconhecido. O primeiro encontro acontece num bar. Depois de amenidades, ela é assertiva: “Reservei um quarto num hotelzinho simpático, virando a esquina”.

Esse pragmatismo aos poucos cede para nuanças de quem ama: idealização, orgasmo simultâneo, mas também imperfeições.

A estrutura do texto oscila diálogos no passado, que equivalem ao durante, e no presente, o depois. O olhar retrospectivo como que tenta assimilar o arco da atração à ruptura.

Além da própria “rasteira” que levam do amor, como brinca Oliveira, Ele e Ela sofrem uma “intromissão de realidade”, quando um velho doente (Omar Jabur) invade o quarto e, súbito, desmaia. Eles o socorrem e, ao cabo, conhecem a mulher dele (Laura Cardoso, numa participação em vídeo). O retrato da relação desses corações combalidos parece intimidar os amantes.

Para interpor tempo e espaço, a encenação recorre à projeção em vídeo. São imagens que ora trazem a narrativa em off ora introduzem a velha senhora.

Os atores permanecem num espaço cênico fixo, cuja transição de tempo e lugar se dá por meio da luz ou mesmo dos figurinos. Apesar do título da peça, o autor não devassa a intimidade, apenas a sugere. Isso não impediu que o Encena, que vem pela primeira vez a São Paulo, por conta da Caravana Funarte de Circulação Regional, tivesse dificuldade em encontrar salas de teatro em Belo Horizonte. Duas delas, ligadas a entidades católicas, pediram a mudança do título. 



Uma relação pornográfica.
De: Philippe Blasband. Direção: Wilson Oliveira. Com: grupo Encena. Onde: teatro Ruth Escobar – sala Gil Vicente (r. dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 3289-2358). Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às 20h; até 27/2. Quanto: R$ 20.  

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

Relacionados