Folha de S.Paulo
16.3.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 2005
TEATRO
Ator volta pela segunda vez à dramaturgia em “Um Homem Indignado”, monólogo em que critica a invasão dos “reality shows”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
É uma peça semibiográfica, tanto que o gaúcho Walmor Chagas, 74, oscila entre o “ele” e o “eu” em vários momentos da entrevista. Fala sobre “Um Homem Indignado”, sua segunda experiência com dramaturgia -a outra foi “Isso Devia Ser Proibido”.
No monólogo que estréia amanhã no CCBB-SP, um ator veterano ruma para a morte anunciada, mas, antes, brada a morte da palavra em detrimento da imagem.
Dirigida pelo cineasta Djalma Limongi Batista, a encenação se apropria de recursos audiovisuais para criticar o poder da imagem na voga do “reality show”. Chagas “contracena” com Zé Celso e Ítalo Rossi por meio de vídeo.
Com 55 anos de palco, também homem de TV, Chagas critica o “Big Brother” e analisa o governo Lula. Para a gestão petista, o ator desarma o ceticismo.
Folha – Numa passagem, o Velho fala que aprendeu a fazer teatro por meio da literatura. Hoje, seria por meio da TV. Esse é o conflito?
Walmor Chagas – Exatamente. Ele foi educado por meio da palavra. Hoje, quem educa é a imagem. Acredita que a imagem se tornou tão importante que arma um estúdio para filmar, como se fosse um “reality show”, no qual as pessoas morrem em cena. Esses programas são de uma morbidez danada, as pessoas ficam confinadas. Mesmo que tenha fantasia, bebida, comida e até um prêmio de R$ 1 milhão, é uma prisão. Ninguém diz, ninguém está a fim de ser contra a Globo, contra o público do mundo inteiro que acha o “reality show” genial, porque no “Big Brother” as pessoas dançam, trepam em cena, se casam… Essa é a destruição que o império americano faz contra a gente. Há uma correlação na peça quanto à destruição dos incas pelos espanhóis, que acabaram com aquela civilização. O [conquistador Francisco] Pizarro de agora, o Bush, quer cortar a cabeça das pessoas para tomar a terra delas.
Folha – A indignação converge para uma morte anunciada. Sinal de que não há saída?
Chagas – Não tenho esperança alguma. Nós estamos indo para o abismo. Quem se atirou do décimo andar, por mais que vá passar pelo oitavo, acha que está tudo bem. O Velho sabe que está tudo mal e que irá se esborrachar.
Folha – O protagonista não vê saída nesta era da imagem, mas o próprio espetáculo se apropria dela. Um cineasta assina a direção, você atua na TV. Não é contraditório?
Chagas – É, claro que é. O público vai ver a contradição. Eu uso a imagem porque falo mal dela. A imagem já é a linguagem atual. Se não tiver, não interessa muito. Os espetáculos atuais fazem sucesso porque são os atores ao vivo da televisão em peças matrimoniais ou porque são espetáculos que também buscam uma imagem no palco, não estão na palavra.
Folha – Qual sua opinião sobre a Lei de Fomento ao teatro em SP?
Chagas – Ainda é muito fraca a política cultural que existe, e, quando existe um pouco, acaba. É um desinteresse criminoso dos governos federal, estadual e municipal não darem ao teatro o suporte financeiro que ele precisa. Detalhe importante: todos os governos têm medo do teatro, porque é ao vivo. O ator pode cair na asneira de dizer verdades, fazendo tremer as bases políticas.
Folha – E o governo Lula?
Chagas – Eu acho bom, ótimo, esperançoso para todos nós. Não acredito que [José] Dirceu e todas essas pessoas que viveram e sofreram a revolução, que tinham uma idéia socialista para o mundo, vão deixar passar em branco. Nem que seja na última hora, nem que dêem um golpe de Estado nas vésperas das eleições, eles vão decretar uma reforma agrária. Ou será que vão querer sair com o rabo entre as pernas daqui a dois anos? Tem muita gente com vontade de tirar o Lula. A Folha, então, parece que quer vê-lo na forca, uma postura que não tinha com Fernando Henrique Cardoso.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.