Folha de S.Paulo
23.4.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 23 de abril de 2005
TEATRO
Companhia apresenta “Os Camaradas” no Sesc Pompéia
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O Sesc Pompéia vem abrindo seu galpão a grupos com experimentos mais verticais na área de teatro. Nesta semana, é a vez da cia. Carona de Teatro, de Blumenau (SC), que apresenta hoje e amanhã a bem cuidada montagem de “Os Camaradas” (2001).
A Carona existe há dez anos numa cidade que não abriga temporadas, nem as ditas comerciais. O cenário é ainda mais difícil para quem investe em pesquisas de linguagens cênica e dramatúrgica. Daí que a companhia faz mais apresentações fora de Blumenau.
Em 2002, ganhou projeção no Fringe, a mostra paralela do Festival de Curitiba, com “Os Camaradas”. “Nossa pesquisa se dá principalmente por meio da construção física, do trabalho de ator”, diz o diretor Pépe Sedrez, 35, um dos fundadores do grupo.
Com dramaturgia que eles dividem com o argentino Alfredo Megna, a peça se passa numa Eslováquia imaginária. Durante um rigoroso inverno, um casal que vive na miséria recebe visitas de membros do Partido Eslovaco. O marido está desempregado. A mulher, doente. Quase não se falam. O silêncio só costuma ser quebrado com a chegada dos “camaradas”, que deixam alimentos na mesa da cozinha em troca de visita ao quarto da mulher.
Não à toa, o cinza domina a expressão facial e os figurinos dos atores nessas borradas margens do público e do privado, espaço podre da política. A melancolia das palavras é traduzida ainda pelo som do acordeão. Cena e público estão dispostos de forma intimista numa arena.
A percepção pessimista do humano pontua os últimos trabalhos da Carona. Ontem e anteontem, no mesmo Sesc Pompéia, a companhia mostrou um trabalho em processo do seu novo espetáculo, “A Parte Doente”, do catarinense Gregori Haertel, sobre personagens isolados que acabam se cruzando e, igualmente, não vêem saída.
O curioso é que as esperanças da Carona se revelam sustentadas pelo fazer teatral. É a aventura do risco, transcendendo fronteiras estéticas e geográficas, que dá liga ao seu projeto. Com talento, conquistou uma sede e convites para circular pelo país.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.