Folha de S.Paulo
10.5.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 2005
TEATRO
Desde os anos 90, cidade fomenta projetos gratuitos como o de Boal e o programa de formação em artes cênicas
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Reconhecido pólo industrial do país, o município de Santo André, no ABC paulista, se destaca também na área da cultura, por entendê-la como item fundamental da cidadania. Um exemplo disso é a política pública aplicada ao teatro. Durante a tarde e a noite de hoje, por exemplo, o Teatro Municipal de Santo André será ocupado pela 3ª Maratona de Teatro do Oprimido, atividade desenvolvida desde 1997 pela equipe do dramaturgo Augusto Boal.
Outro projeto irradiador das artes cênicas na cidade é o da Escola Livre de Teatro (pça. Rui Barbosa, 12, Santa Terezinha, tel. 0/xx/11/ 4996-2164). Em junho, a ELT completa 15 anos.
“É um exemplo único no Brasil, um apoio constante e decisivo para a manutenção do Teatro do Oprimido”, diz Boal, 74. “E apoio não só econômico mas desarmado de questões partidárias.”
Boal começou a sistematizar a prática do Teatro do Oprimido no final dos anos 70, durante a ditadura militar, quando deixou o Teatro de Arena, em São Paulo, e viveu exilado na França.
Sua premissa é colocar o cidadão como protagonista em esquetes, cenas curtas que retratam conflitos do cotidiano, quer em situações públicas ou privadas.
Na programação da maratona, por exemplo, o grupo Esperança, formado por idosos, toca num tema urgente: a Aids sobre o ponto de vista de homens e mulheres que estão com mais de 60 anos e precisam ficar atentos à prevenção, como o uso de camisinha, por exemplo.
“Em 1997, quando começamos a atuar, o Teatro do Oprimido era voltado para os servidores municipais e para o projeto do Orçamento Participativo nos bairros. Atualmente, existem 13 grupos populares em vários pontos da cidade”, diz o coordenador do programa em Santo André, Armindo Rodrigues Pinto, 56. Em 2004, a prefeitura gastou cerca de R$ 45 mil com o Teatro do Oprimido.
No momento, a ELT apresenta o espetáculo “E.L. Circo” sob uma lona erguida no parque Prefeito Celso Daniel, com capacidade para 400 pessoas (sáb. e dom., às 16h e 20h, com entrada franca).
Dirigido por Marcelo Milan e Renata Zhaneta, com dramaturgia de Luis Alberto de Abreu, o espetáculo resulta do Núcleo de Montagem Circense da escola (também existem os núcleos de formação ator, diretor etc).
O espetáculo anterior, “Nô Caminho – 7 Passos para Dentro”, com direção de Georgette Fadel, estava em cartaz até o início deste mês, no teatro Conchita de Moraes, também espaço da ELT, e deve retornar em junho (sáb. e dom., às 20h).
A ELT envolve atualmente cerca de 150 aprendizes. O orçamento é de R$ 330 mil. Segundo o seu coordenador, Antônio Rogério Toscano, 32, a iniciativa mudou a cara do bairro de Santa Terezinha. “Somente políticas públicas corajosas e ousadas, que coloquem o projeto e sua especificidade em primeiro plano, podem resultar em algo como é hoje a ELT, que trouxe grupos para criar suas sedes no entorno, em galpões abandonados, e amplificou conceitos arejados sobre pedagogia e formação teatral.
Hoje, fazemos teatro na rua e até dentro do trem -e não mais sobre a rua ou sobre a vida das pessoas que pegam o trem”, diz Toscano.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.