Folha de S.Paulo
10.8.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005
TEATRO
Em sua terceira edição, Festival Mundial de Circo do Brasil assume palco italiano e traz duas atrações da África
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Além da acrobacia semântica no nome, o Festival Mundial de Circo do Brasil deixa cada vez mais gente de boca aberta e olhos arregalados em Belo Horizonte
Não só pelas atrações nacionais e internacionais, mas pelo formato amadurecido em cinco anos.
A terceira edição, realizada de hoje a domingo, deseja suplantar a noção de mera vitrine das artes circenses e consolidar-se como encontro que sabe conjugar entretenimento, reflexão e formação, para ficar em três pés.
Dos quatro artistas internacionais deste ano, por exemplo, não há representantes do novo ou velho e bom circo, como a França, a China ou talvez o Canadá (sede da famosa “usina” do Cirque du Soleil), acolhidos em 2001 e 2003, mas uma dobradinha que vem de Gana, na África, especificamente da capital Acra: o trio do Osibisa Acrobats e uma espécie de “one man show”, Oppon Dickson.
Segundo a organização, Dickson bebe 4,5 litros d’água em segundos e depois jorra como uma fonte durante um show de truques com fogo. Encarna a expressão do artista de rua africano.
Idem os acrobatas conterrâneos Alfred Petu, Benjamin Gyamfi e George Lamptey Odärtey, que armam saltos, pirâmides e contorcionismo ao som de ritmos nativos, habilidade colada ao humor.
Circo no teatro
Outro aspecto importante na programação do festival é a ruptura com um preconceito, como reconhece a coordenadora Fernanda Vidigal, 33.
Pela primeira vez, o festival não só flerta incestuosamente com a linguagem do seu irmão teatro, como também ocupará dois palcos italianos.
“Tínhamos certo preconceito e vimos que é era uma bobagem. O circo-teatro é tão importante quanto”, diz a coordenadora, a espelhar autocrítica do meio.
Prova disso é a presença do Circo Zanni, projeto paulista que, desde 2003, une artistas das primeiras gerações de escolas de circo do país, como a Picadeiro. São números tradicionais recriados sob lona decorada com luzinhas e chão coberto por serragem.
“O Zanni lança um novo olhar, mas dialoga com a tradição, apesar de não ser uma família circense, como ocorre à maioria dos circos sob lona no Brasil”, diz Vidigal. O nome do coletivo é uma referência a um dos matizes da Commedia Dell’Arte na Itália do século 16 (o zanni eqüivaleria ao bufão), quando era comum mambembar para levar a arte de cidade em cidade.
Por falar nisso, o festival costuma demarcar território à parte em Belo Horizonte: a Cidade do Circo. Ela está localizada no Centro Cultural Casa do Conde de Santa Marinha, no centro.
Em torno do circo
Em meio aos espetáculos, há espaço para exposições e lojas especializadas em circo.
É lá que será lançado amanhã, às 16h, um livro fundamental, “Circo Nerino” (Pindorama Circus/Editora Códex), um dos finalistas do Prêmio Jabuti 2005 na categoria reportagem e biografia, escrito a quatro mãos pela atriz e especialista Verônica Tamaoki e por Roger Avanzi, 82, o palhaço Picolino 2, filho de Nerino Avanzi (1886-1962), cuja lona subiu e desceu entre 1913 e 1964, percorrendo vários Estados.
Também foi montado cabaré para as noites da Cidade do Circo, de amanhã a sábado, sob comandado de DJs como o pernambucano Dolores. No último dia, haverá canja dos artistas ganenses com o grupo Tambor Mineiro.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.