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Folha de S.Paulo

Solo antropofagiza Mário de Andrade

31.8.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 2005

TEATRO 
Peça inclui texto sobre o Tietê

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

À semelhança física com Mário de Andrade (1893-1945), vide a minissérie da TV Globo “Um Só Coração” (2004), Pascoal da Conceição acresce boa dose de desvairada antropofagia ao papel do escritor que agora interpreta no teatro -ambos nasceram num 19 de outubro.

É o solo “Mário de Andrade Desce aos Infernos”, título do poema que o mineiro Carlos Drummond de Andrade escreveu em memória do colega paulista, morto em 25 de fevereiro de 1945, 60 anos atrás, vítima de infarto do miocárdio.

“Tem humor, poesia. É um Mário que rebola”, diz Conceição, 51, fazendo uso de metáfora sobre a peça que estréia hoje no Sesc Ipiranga, com uma sessão por semana até o final de setembro. O ator, que integrou o grupo Oficina nos últimos anos, também assina roteiro e direção.

Dizem os versos de Drummond: “É preciso tirar da boca urgente/ o canto rápido, ziquezagueante, rouco,/ feito da impureza do minuto/ e de vozes em febre, que golpeiam/ esta viola desatinada/ no chão, no chão”.

A primeira parte do espetáculo evoca trecho inicial da conferência-balanço de duas décadas da Semana de Arte Moderna de 1922, que Andrade apresentou no Rio de Janeiro, num salão do Ministério das Relações Exteriores, em 1942.

Na seqüência, Conceição recita e interpreta o poema “A Meditação sobre o Tietê”, no qual Andrade colocou o ponto final 13 dias antes de sua morte.

Percursos
Conceição foi ao rio, debaixo da ponte das Bandeiras. “Peguei a água preta com uma canequinha de plástico. Não tinha me dado conta de que na nossa cidade passa um rio morto, mas não de todo: tem movimento e é tão modernista quanto”, diz, navegando em outras águas.

“O Mário viaja como se fosse mensageiro de um território escondido, ao qual ninguém dá atenção.”

“Eu imaginei que da nascente do Tietê, em Salesópolis, até a sua foz, lá no Paraná, poderiam ser colocados outdoors ao longo do percurso com os 300 e poucos versos do poema sobre o rio. Nem os poetas franceses fizeram isso com o Sena nem os ingleses com o Tâmisa”, diz o ator, que mergulha na obra e na vida do escritor desde os anos 80.

A atriz e “conselheira” Maria Alice Vergueiro assistiu a um ensaio e disse que o solo “antropofagiza” o homenageado, no melhor estilo dos modernistas.

Somam-se à equipe Georgette Fadel (colaborou na direção), Mariana Lima (preparação de corpo), Beth Amin (preparação de voz) e Wagner Freire (desenho de luz). 



Mário de Andrade Desce aos Infernos

Quando: estréia hoje, às 21h; qua. às 21h (exceto 8/9, qui., às 21h). Até 28/9
Onde: Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, tel. 3340-2000) 
Quanto: R$ 4
 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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