Folha de S.Paulo
31.8.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 2005
TEATRO
Peça inclui texto sobre o Tietê
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
À semelhança física com Mário de Andrade (1893-1945), vide a minissérie da TV Globo “Um Só Coração” (2004), Pascoal da Conceição acresce boa dose de desvairada antropofagia ao papel do escritor que agora interpreta no teatro -ambos nasceram num 19 de outubro.
É o solo “Mário de Andrade Desce aos Infernos”, título do poema que o mineiro Carlos Drummond de Andrade escreveu em memória do colega paulista, morto em 25 de fevereiro de 1945, 60 anos atrás, vítima de infarto do miocárdio.
“Tem humor, poesia. É um Mário que rebola”, diz Conceição, 51, fazendo uso de metáfora sobre a peça que estréia hoje no Sesc Ipiranga, com uma sessão por semana até o final de setembro. O ator, que integrou o grupo Oficina nos últimos anos, também assina roteiro e direção.
Dizem os versos de Drummond: “É preciso tirar da boca urgente/ o canto rápido, ziquezagueante, rouco,/ feito da impureza do minuto/ e de vozes em febre, que golpeiam/ esta viola desatinada/ no chão, no chão”.
A primeira parte do espetáculo evoca trecho inicial da conferência-balanço de duas décadas da Semana de Arte Moderna de 1922, que Andrade apresentou no Rio de Janeiro, num salão do Ministério das Relações Exteriores, em 1942.
Na seqüência, Conceição recita e interpreta o poema “A Meditação sobre o Tietê”, no qual Andrade colocou o ponto final 13 dias antes de sua morte.
Percursos
Conceição foi ao rio, debaixo da ponte das Bandeiras. “Peguei a água preta com uma canequinha de plástico. Não tinha me dado conta de que na nossa cidade passa um rio morto, mas não de todo: tem movimento e é tão modernista quanto”, diz, navegando em outras águas.
“O Mário viaja como se fosse mensageiro de um território escondido, ao qual ninguém dá atenção.”
“Eu imaginei que da nascente do Tietê, em Salesópolis, até a sua foz, lá no Paraná, poderiam ser colocados outdoors ao longo do percurso com os 300 e poucos versos do poema sobre o rio. Nem os poetas franceses fizeram isso com o Sena nem os ingleses com o Tâmisa”, diz o ator, que mergulha na obra e na vida do escritor desde os anos 80.
A atriz e “conselheira” Maria Alice Vergueiro assistiu a um ensaio e disse que o solo “antropofagiza” o homenageado, no melhor estilo dos modernistas.
Somam-se à equipe Georgette Fadel (colaborou na direção), Mariana Lima (preparação de corpo), Beth Amin (preparação de voz) e Wagner Freire (desenho de luz).
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.