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Folha de S.Paulo

Norma Aleandro mira poética teatral

17.9.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2005 

TEATRO 
Em sua primeira atuação no Brasil, atriz oscila entre velhice e juventude em “La Señorita de Tacna”, de Llosa

VALMIR SANTOS
Enviado especial a Porto Alegre

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Nem uma história peruana nem argentina, mas latino-americana, quiçá universal. É assim que a atriz Norma Aleandro, ícone dos palcos e do cinema na Argentina, define “La Señorita de Tacna”, peça de Mario Vargas Llosa, autor de “A Guerra do Fim do Mundo”.

É com esse espetáculo que a Fernanda Montenegro ou a Marília Pêra dos portenhos faz sua primeira apresentação teatral no Brasil, com sessões hoje e amanhã no teatro São Pedro, dentro do festival Porto Alegre em Cena.

Aleandro é conhecida do público brasileiro por atuações em filmes como “O Filho da Noiva” (2001), de Juan José Campanella, e “A História Oficial”, de Luis Puenzo (1985, melhor atriz no Festival de Cannes).

Em “La Señorita de Tacna”, o desafio da intérprete é oscilar entre os papéis da jovem e sonhadora Elvira e o da velha solteirona e virgem Mamãe.

Reconhece como uma das suas principais “ferramentas”, além dos domínios da voz e do corpo, o gesto com um xale de renda que ajuda a compor verossimilhança diante dos olhos do espectador, pêndulo secular de juventude e velhice, duas pontas de uma mesma vida.

“Tem a ver com uma poética que propõe ao público uma convenção tão difícil, que é o salto no tempo e no espaço. Isso eu agradeço à obra de Llosa”, diz Aleandro, 79, durante conversa na manhã de ontem com jornalistas. O xale não é uma rubrica do autor, mas caminho interior descoberto pela intérprete.

No espetáculo “La Señorita de Tacna” percorre a vida de uma mulher que, por um ato de orgulho, perde a oportunidade no amor e o sublima cuidando de sua própria família.

Entre mãe e filho
Contracena com oito atores, entre eles o filho Oscar Ferrigno, que também assina a remontagem estreada no ano passado em Buenos Aires. A primeira se deu em 1981, por Emilio Alfaro. Naquela época, Aleandro retornava para casa após exílio de cinco anos na Espanha.

“A minha volta causou ameaças de bombas ao teatro. Vivíamos numa ditadura [1976-1983], e não na atual democracia. Imperfeita, mas que nos permite a liberdade de dizer o que quisermos.”

Comparada à montagem anterior, da qual foi assistente, Ferrigno, 43, diz que esta economiza nos recursos, nas parafernálias. Mira o essencial.

“Compactuamos uma visão sobre o trabalho de ator no teatro: não há que sofrer para criar, ao contrário”, diz o diretor-ator.

A ascendência teatral fundamenta o ofício de Norma Aleandro. Os pais da atriz, ele italiano e ela espanhola, eram artistas de teatro, mambembavam com Aleandro desde os três anos.

“Agradeço a Deus por ter sido criada no teatro, um lugar no qual, socialmente, são menores os preconceitos; nele, são bem aceitos os homossexuais, os solteiros, judeus, católicos, pessoas de diversas cores políticas etc. Aprendi a ter uma mente mais ampla graças à gente do teatro”, diz Aleandro.

Ela dá notícias de um “boom cultural” que assoma a Argentina desde o pico da crise econômica, em 2001. “Hoje, quase toda a Argentina faz teatro, pelo menos 80% das pessoas pintam, muitas escrevem, dançam tanto nas ruas”, afirma. Eis o desequilíbrio social, o paradoxo: a convivência da fome com a riqueza da expressão cultural. Vide o cinema.



O jornalista 
Valmir Santos viajou a convite da organização do 12º Porto Alegre em Cena

12º Porto Alegre em Cena
Quando:
 até 25/9
Quanto: R$ 20
Informações: tel. 0/xx/51/3253-2995 e pelo site www.poaemcena.com.br 

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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