Folha de S.Paulo
17.9.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2005
TEATRO
Em sua primeira atuação no Brasil, atriz oscila entre velhice e juventude em “La Señorita de Tacna”, de Llosa
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Porto Alegre
Nem uma história peruana nem argentina, mas latino-americana, quiçá universal. É assim que a atriz Norma Aleandro, ícone dos palcos e do cinema na Argentina, define “La Señorita de Tacna”, peça de Mario Vargas Llosa, autor de “A Guerra do Fim do Mundo”.
É com esse espetáculo que a Fernanda Montenegro ou a Marília Pêra dos portenhos faz sua primeira apresentação teatral no Brasil, com sessões hoje e amanhã no teatro São Pedro, dentro do festival Porto Alegre em Cena.
Aleandro é conhecida do público brasileiro por atuações em filmes como “O Filho da Noiva” (2001), de Juan José Campanella, e “A História Oficial”, de Luis Puenzo (1985, melhor atriz no Festival de Cannes).
Em “La Señorita de Tacna”, o desafio da intérprete é oscilar entre os papéis da jovem e sonhadora Elvira e o da velha solteirona e virgem Mamãe.
Reconhece como uma das suas principais “ferramentas”, além dos domínios da voz e do corpo, o gesto com um xale de renda que ajuda a compor verossimilhança diante dos olhos do espectador, pêndulo secular de juventude e velhice, duas pontas de uma mesma vida.
“Tem a ver com uma poética que propõe ao público uma convenção tão difícil, que é o salto no tempo e no espaço. Isso eu agradeço à obra de Llosa”, diz Aleandro, 79, durante conversa na manhã de ontem com jornalistas. O xale não é uma rubrica do autor, mas caminho interior descoberto pela intérprete.
No espetáculo “La Señorita de Tacna” percorre a vida de uma mulher que, por um ato de orgulho, perde a oportunidade no amor e o sublima cuidando de sua própria família.
Entre mãe e filho
Contracena com oito atores, entre eles o filho Oscar Ferrigno, que também assina a remontagem estreada no ano passado em Buenos Aires. A primeira se deu em 1981, por Emilio Alfaro. Naquela época, Aleandro retornava para casa após exílio de cinco anos na Espanha.
“A minha volta causou ameaças de bombas ao teatro. Vivíamos numa ditadura [1976-1983], e não na atual democracia. Imperfeita, mas que nos permite a liberdade de dizer o que quisermos.”
Comparada à montagem anterior, da qual foi assistente, Ferrigno, 43, diz que esta economiza nos recursos, nas parafernálias. Mira o essencial.
“Compactuamos uma visão sobre o trabalho de ator no teatro: não há que sofrer para criar, ao contrário”, diz o diretor-ator.
A ascendência teatral fundamenta o ofício de Norma Aleandro. Os pais da atriz, ele italiano e ela espanhola, eram artistas de teatro, mambembavam com Aleandro desde os três anos.
“Agradeço a Deus por ter sido criada no teatro, um lugar no qual, socialmente, são menores os preconceitos; nele, são bem aceitos os homossexuais, os solteiros, judeus, católicos, pessoas de diversas cores políticas etc. Aprendi a ter uma mente mais ampla graças à gente do teatro”, diz Aleandro.
Ela dá notícias de um “boom cultural” que assoma a Argentina desde o pico da crise econômica, em 2001. “Hoje, quase toda a Argentina faz teatro, pelo menos 80% das pessoas pintam, muitas escrevem, dançam tanto nas ruas”, afirma. Eis o desequilíbrio social, o paradoxo: a convivência da fome com a riqueza da expressão cultural. Vide o cinema.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.