Folha de S.Paulo
20.9.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 20 de setembro de 2005
TEATRO
Cenógrafo francês Jean-Guy Lecat dá palestras e oficinas no Rio e em São Paulo sobre o processo de criação
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“A natureza do espaço teatral é a de conter, proteger e ajudar; e não a de contar a história no lugar do ator”, diz o arquiteto e cenógrafo francês Jean-Guy Lecat, que trabalhou com importantes encenadores europeus do século 20, como Jean Vilar, Jean-Louis Barrault, Dario Fo, Samuel Beckett e Peter Brook.
Lecat esteve em São Paulo na semana passada para dar uma palestra e ministrar uma oficina. Fará o mesmo no Rio de Janeiro na próxima quinta-feira, no Espaço Sesc Copacabana.
Co-autor de “O Círculo Aberto -°Entornos Teatrais de Peter Brook” (2003), com o colega inglês Andrew Todd -livro ainda não traduzido por aqui-, Lecat é um dos diretores da Oistat (Organisation Internationale des Scénografes, Techniciens et Architectes de Théâtre).
Veio a convite da CenografiaBrasil, associação de profissionais das artes visuais cênicas criada em 2001. Entre esses técnicos, está Luciana Bueno, que conheceu Lecat num congresso no Canadá, em março passado. Leia a seguir trechos da entrevista.
MARCO ZERO – “Se você inicia a visita de um espaço com muitas idéias preconcebidas, não consegue perceber o que o teatro tem a dizer; assim como quando você acha que sabe o que uma pessoa vai dizer, não consegue ouvi-la. O diálogo deve começar no silêncio, assim com o espetáculo começa no espaço vazio. Esta é a escola da humildade.”
NATUREZA – “O ser humano não-violento pode viver de acordo com a natureza. É o que fizeram os índios brasileiros por séculos, até a chegada da arrogante cultura portuguesa. O teatro é vida, e a natureza faz parte dela. Todos os trabalhos que fizemos junto a Peter Brook continham, de alguma forma, os elementos ar, água, terra e fogo -vida por todo os lados.”
PETER BROOK – Estando com ele, a gente passa metade do tempo se apresentando fora do espaço teatral convencional para criar relação direta com o público. Para Peter Brook e eu, não há dois espaços, um para o público e outro para a peça. A parede tem que estar onde precisamos. Adaptamos o espaço ao espetáculo, e não o espetáculo ao espaço.”
GÊNESE – “A vida é um espaço teatral. Precisamos de paredes para nos proteger do som e da chuva. Essas paredes devem ter sentido e estarem plenas de vida. O que não é o caso de espaços modernos. Hoje em dia, os diretores mudam-se para espaços não-convencionais para encontrar liberdade e vida. Talvez isso signifique para você [o repórter] espaço conquistado. Para mim, é voltar ao que o teatro deveria ser.”
PROCESSO – “O teatro é absolutamente feito de todas as outras artes. É como se fôssemos muitas pessoas segurando uma brocha para pintar um quadro com o espectador. Por isso o teatro é difícil de ser feito. Todos devemos ser humildes e encontrar os nossos lugares. Se eu fiquei 25 anos com Peter Brook, foi porque encontrei em todos os momentos da nossa vida teatral a perfeita colaboração. Eu não tenho a impressão de ter perdido meu DNA em nenhum momento. Sinto exatamente o contrário. Eu aprendi muito com ele.”
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.