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Folha de S.Paulo

Contos de Tchecov ganham centro de arena

29.10.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2005

TEATRO 

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Luis Melo protagoniza “Daqui a Duzentos Anos”, encenação de Márcio Abreu com três histórias curtas do autor russo

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

“Vou, sento, fecho os olhos e fico pensando se os que virão depois de nós, daqui a cem ou 200 anos, e para quem estamos abrindo caminho, vão se lembrar de nós com uma única palavra de gratidão.”

Eis o trecho de uma carta do escritor russo Anton Tchecov (1860-1904) contada pelo ator Luís Melo ao final de “Daqui a Duzentos Anos”. No espetáculo, o espectador senta, abre os olhos e escuta vozes do século 19 desejosas de tocar feito um aperto de mão. Com absoluta devoção à palavra e seus silêncios, a montagem do grupo curitibano Ateliê de Criação Teatral, o Act, chega a São Paulo após passar pelo Rio, para temporada no Sesc Belenzinho.

“O exercício da escuta tornou-se muito difícil hoje em dia”, diz Luis Melo, 47. Na encenação de Márcio Abreu, a transposição de três contos de Tchecov se dá numa arena, espaço que costuma ser mais exigente na relação público-ator. Ao centro, um tablado de cinco metros de diâmetro é ocupado pelos atores Melo, André Coelho e Janja, além da musicista Edith de Camargo (do grupo Wandula).

Eles trazem à luz narradores e personagens criados por Tchecov, consagrado por peças como “As Três Irmãs” e “A Gaivota”.

O primeiro conto, “O Amor”, é o mais bem-humorado, por assim dizer. Sujeito apaixonado pela noiva sente-se oprimido pelas exigências da preparação do casamento. Passa a cerimônia e vem nova frustração, agora pela rotina da vida de casado, embora sustente que o amor sobrevive a tudo.

Em “O Caso do Champanhe”, o chefe de uma pequena estação de trem nas estepes divaga em torno da vida monótona que leva com a mulher. É apaixonado ao ponto da explosão, o que contrasta com o lugar onde vivem. A mesmice é perturbada pela chegada de uma visita inesperada.

Na última história curta, “Brincadeira”, surge um Tchecov talvez mais lírico. Um homem recorda uma história de amor de juventude. Especialmente a passagem em que desce de trenó uma montanha de gelo, junto com uma jovem. Seduzida, ela confundia sua voz com a do vento ao ouvir as palavras “eu te amo”.

Os atores buscam ancorar o olho no olho, a fala ao pé do ouvido do universo dos contadores de histórias (que não são atores, mas envolvem tanto quanto eles com suas “partituras”).

Segundo Melo, os textos não-dramáticos de Tchecov constituem um exercício de observação para o ator que também persegue a não-representação.

“A intenção é dar liberdade para que a imagem surja para o espectador”, diz Melo.

Com a trilogia de contos tchecovianos sobre os vícios e as virtudes do amor, o diretor Márcio Abreu, 34, afirma ter aprofundado seu conhecimento sobre a obra do autor russo.

“Quem vem ao espetáculo esperando um Tchecov sedimentado, não vai encontrá-lo. Não há aqueles clichês atribuídos à sua dramaturgia “excessiva, melancólica, de discurso pessimista, que dilata equivocadamente o tempo” etc. Isso faz com que a gente perceba o quanto ele é mal interpretado, mal lido. Sua obra é tridimensional”, diz Abreu. 



Daqui a Duzentos Anos
Quando:
 estréia hoje, às 19h; sáb. e dom., às 19h; até 11/12 
Onde: Sesc Belenzinho – galpão 1 (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6602-3700) 
Quanto: R$ 15
 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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