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Folha de S.Paulo

Iraniano explora tensão em peça

6.10.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2005

TEATRO

Grupo Mehr se apresenta no Rio de Janeiro e mostra produção efervescente

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

O conhecimento do brasileiro sobre o cinema iraniano é inversamente proporcional ao que sabemos do teatro do país de Abbas Kiarostami.

A defasagem diminui com a passagem do grupo Mehr pelos festivais Cena Contemporânea, em Brasília (terça-feira e ontem) e riocenacontemporânea, no Rio (neste sábado e domingo).

Traz uma peça escrita e dirigida por Amir Reza Koohestani, “Dance on Glasses”, o terceiro texto da carreira do autor de 27 anos. Ele não pôde viajar porque está prestando serviços obrigatórios ao Exército de seu país, assunto sobre o qual se recusa a falar.

Importa-lhe a arte do teatro, e aí não põe freios, como na entrevista à Folha por e-mail.

Em “Dance on Glasses” (2000), um rapaz e uma garota ocupam extremos de uma longa mesa que divide a platéia em duas. Estão sentados, imóveis, mas lá pelas tantas, súbito, sobem à mesa. Ela baila sobre copos revirados, equilíbrio feito de fragilidade e transparência.

A dualidade perpassa todas as quatro peças que Koohestani escreveu desde 1997.

“A essência do drama é o duelo, os pontos opostos. É assim no palco, no mundo e na natureza, como o fogo e a água. Interesso-me em mostrar o modo como as relações são construídas, e como este homem e esta mulher tentam fazer valer as esperanças e ideais humanos”, diz o autor.

Para além do embate passional, o rapaz (Ali Molini) e a garota (Sharare Mansourabadi) também são o professor e a aluna.
No subtexto, o conflito evoca ainda um Irã e uma Índia em tensão, poder temporal e prática espiritual. Surge um terceiro elemento (por Mohammad Abbasi), a desestabilizar de vez as forças em jogo.

Koohestani confronta as faces pública e privada de seu país, cuja sociedade passa por transformações de valores e as manifestações artísticas demonstram vitalidade.

“Para os visitantes, as longas filas são a primeira marca do contraste: há muitas performances de jovens amadores que atuam no teatro, na música e no cinema de curta-metragem. Hoje, no Irã, a arte cumpre uma importante função política e social. Particularmente o teatro, que encerra distintas características de sua época e não pode tão somente espelhar a sociedade, mas também gerar movimentos, realçar pensamentos”, diz o autor.

“A arte da representação, como a pintura e a escultura, faz a elite gaguejar quando vem para baixo e mostra o que realmente está acontecendo na sociedade contemporânea.”

Koohestani não vive no deserto e nem anda montado em camelo, como manda a estereotipia, segundo o próprio. Mora em Shiraz, no sul, que diz ser a capital cultural do Irã.

O autor já participou de intercâmbio no Royal Court Theatre, em Londres, referência mundial no fomento à dramaturgia.

Mais informações sobre o festival teatral no Rio em www.riocenacontemporanea.com.br. Já o Cena Contemporânea, em Brasília, em www.cenacontemporanea.com.br.



Dance on Glasses
Onde: Espaço Cultural Sérgio Porto (r. Humaitá, 163, Humaitá, RJ, tel. 0/xx/21/ 2266-0896) 
Quando: sáb. e dom., às 21h. 
Quanto: R$ 5 a R$ 10

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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