Folha de S.Paulo
13.10.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 2005
TEATRO
Roberto Lage dirige drama do escritor japonês protagonizado por Bárbara Paz e inspirado na mulher do marquês
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A mulher mantém-se fiel a todo custo. O marido passa 18 anos na prisão, acusado pelos crimes de “sodomia e corrupção de costumes”. Tratou mendigas, prostitutas e quejandos com bombons e chicotes. Mas, quando Donatien Alphonse François, o marquês de Sade, é colocado em liberdade, a marquesa Renée o abandona em troca da reclusão de um convento. Por quê? A prisão aliviava o ciúme? A mulher via nisso um auto de fé? Masoquismo?
O escritor japonês Yukio Mishima especula o enigma em “Madame de Sade” (trad. de Darci Kusano), drama que ganha montagem de Roberto Lage em São Paulo, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-SP).
Tomando como base o livro “A Vida do Marquês de Sade”, de Tatsuhiko Shibusawa (1928-87), Mishima intuía que algo incompreensível, mas revelador da verdadeira natureza humana, estava por trás daquele gesto de Renée.
Elegeu-a protagonista, aqui em interpretação da atriz Bárbara Paz, desafiada a outro registro que não o do conhecido talento como comediante. A marquesa surge ao lado de outras duas personagens reais: sua mãe, madame de Montreuil (por Imara Reis), o império da lei e da moral; e sua irmã, Anne (Jerusa Franco), a candura e a falta de princípios. Mishima criou ainda mais três papéis fictícios para projetar um olhar feminino sobre o pensamento de Sade, entre o sagrado e o profano: a religiosa baronesa de Simiane (por Maria do Carmo Soares); a pervertida condessa de Saint-Fond (Tania Castelo); e a criada Charlotte (Denise Cecchi), representante do povo nessa história de nobrezas nem tantas.
Trajes de razão
“Senti-me obrigado a dispensar totalmente os efeitos de cena comuns e triviais e controlar a ação exclusivamente através dos diálogos; as colisões de idéias tiveram que criar a forma do drama; as de sentimentos tiveram que ser inteiramente exibidos em trajes de razão”, diz Mishima no prefácio da peça que escreveu cinco anos antes de cometer o haraquiri (matar-se com uma espada no ventre), em 1970.
Os três atos compreendem 18 anos do século 18, até meses depois da Revolução Francesa. A ação se passa no salão de madame de Montreuil, em Paris. Desenrola-se um jogo de dissimulações e alianças espúrias que Lage recorta para o plano da estilhaçada política brasileira e seus vícios. A criada fica o tempo todo em cena, como se o povo espreitasse constantemente os acordos e discussões da aristocracia.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.