Folha de S.Paulo
17.11.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005
TEATRO
Estudo sobre história do espaço e do grupo paulistano surge em vídeo, fotos e instalações no Tomie Ohtake
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Sobre um tapete circular no chão do Teatro de Arena surgem atores em camisas azuis e vermelhas e calças brancas. Eles se revezam nos papéis de “Arena conta Zumbi” (1965). Um deles assume a voz do narrador, o coringa que, nas entrecenas, situa o público sentado na platéia circular quanto à resistência dos quilombolas de Palmares (AL), submetidos à colônia portuguesa no século 17.
Isso é traduzido em raras imagens coloridas de um passado predominantemente em preto-e-branco da histórica montagem de Augusto Boal para a peça escrita em parceria com Gianfrancesco Guarnieri. Cerca de 40 fotos dos acervos da Sociedade Cultural Flávio Império (arquiteto e cenógrafo que também passou pelo grupo e Teatro de Arena) e do Arquivo Multimeios/ Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo estão incorporadas à exposição “Arena conta Arena 50 Anos”, que abre hoje no Instituto Tomie Ohtake.
“Não é um vernissage, mas uma estréia”, diz a coordenadora-geral da mostra, a atriz Isabel Teixeira, 32, integrante da Cia. Livre. A história do Arena é o espetáculo.
Acostumado a abrigar exposições de artes plásticas, fotografia e design, o instituto dedica hall e três salas às artes cênicas mediadas por suportes em vídeo, fotos, instalações e áudios, inclusive trechos de montagens originais.
Vêm à luz a tradução cênica e audiovisual do projeto de reconstituição da memória do coletivo que fixou sua sede à rua Teodoro Baima, 94, quase esquina com avenida Ipiranga, no centro, endereço que desde 1977 foi rebatizado Teatro de Arena Eugênio Kusnet, homenagem ao ator e teatrólogo russo radicado em SP e morto em 1975.
Ali foi demarcada importante fase do teatro brasileiro, entre os anos 50 e 70, sobretudo na valorização de uma dramaturgia voltada para os temas históricos, políticos e sociais do país. Foi no Arena que estreou “Eles Não Usam Black-Tie” (58), de Guarnieri, peça emblemática da incursão pelo universo da classe operária.
A Cia. Livre ocupou o Arena durante 2004, teatro que é administrado pela Funarte, órgão do Ministério da Cultura. O grupo abriu dois flancos: 1) criação de um espetáculo, “Arena conta Danton”, encenado por Cibele Forjaz e contemplado pela Lei de Fomento; e 2) prospecção das peças e da gente que passou pelo Arena desde sua inauguração, em 1955, projeto patrocinado pela Petrobras.
O estudo público se deu por meio de depoimentos, leituras e entrevistas, tudo registrado em áudio e vídeo. Esse trabalho de um ano e meio está condensado num CD-ROM que será distribuído a escolas e faculdades de artes cênicas do país. Há um quem-é-quem com 236 nomes que fizeram a história do local.
Entre eles, Paulo José, Lima Duarte, Myrian Muniz, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves, Lélia Abramo, Sadi Cabral, Célia Helena, Ítalo Rossi, Dina Sfat, Juca de Oliveira e Raul Cortez. Na pesquisa de campo, a Cia. Livre conseguiu localizar ainda pessoas-chave como o comerciante aposentado Roger Levy, um dos fiadores para o empréstimo bancário que ajudou o grupo a transformar uma antiga garagem num teatro.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.