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Folha de S.Paulo

Mostra revisa 50 anos do Teatro de Arena

17.11.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005 

TEATRO 
Estudo sobre história do espaço e do grupo paulistano surge em vídeo, fotos e instalações no Tomie Ohtake

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Sobre um tapete circular no chão do Teatro de Arena surgem atores em camisas azuis e vermelhas e calças brancas. Eles se revezam nos papéis de “Arena conta Zumbi” (1965). Um deles assume a voz do narrador, o coringa que, nas entrecenas, situa o público sentado na platéia circular quanto à resistência dos quilombolas de Palmares (AL), submetidos à colônia portuguesa no século 17.

Isso é traduzido em raras imagens coloridas de um passado predominantemente em preto-e-branco da histórica montagem de Augusto Boal para a peça escrita em parceria com Gianfrancesco Guarnieri. Cerca de 40 fotos dos acervos da Sociedade Cultural Flávio Império (arquiteto e cenógrafo que também passou pelo grupo e Teatro de Arena) e do Arquivo Multimeios/ Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo estão incorporadas à exposição “Arena conta Arena 50 Anos”, que abre hoje no Instituto Tomie Ohtake.

“Não é um vernissage, mas uma estréia”, diz a coordenadora-geral da mostra, a atriz Isabel Teixeira, 32, integrante da Cia. Livre. A história do Arena é o espetáculo.

Acostumado a abrigar exposições de artes plásticas, fotografia e design, o instituto dedica hall e três salas às artes cênicas mediadas por suportes em vídeo, fotos, instalações e áudios, inclusive trechos de montagens originais.

Vêm à luz a tradução cênica e audiovisual do projeto de reconstituição da memória do coletivo que fixou sua sede à rua Teodoro Baima, 94, quase esquina com avenida Ipiranga, no centro, endereço que desde 1977 foi rebatizado Teatro de Arena Eugênio Kusnet, homenagem ao ator e teatrólogo russo radicado em SP e morto em 1975.

Ali foi demarcada importante fase do teatro brasileiro, entre os anos 50 e 70, sobretudo na valorização de uma dramaturgia voltada para os temas históricos, políticos e sociais do país. Foi no Arena que estreou “Eles Não Usam Black-Tie” (58), de Guarnieri, peça emblemática da incursão pelo universo da classe operária.

A Cia. Livre ocupou o Arena durante 2004, teatro que é administrado pela Funarte, órgão do Ministério da Cultura. O grupo abriu dois flancos: 1) criação de um espetáculo, “Arena conta Danton”, encenado por Cibele Forjaz e contemplado pela Lei de Fomento; e 2) prospecção das peças e da gente que passou pelo Arena desde sua inauguração, em 1955, projeto patrocinado pela Petrobras.

O estudo público se deu por meio de depoimentos, leituras e entrevistas, tudo registrado em áudio e vídeo. Esse trabalho de um ano e meio está condensado num CD-ROM que será distribuído a escolas e faculdades de artes cênicas do país. Há um quem-é-quem com 236 nomes que fizeram a história do local.

Entre eles, Paulo José, Lima Duarte, Myrian Muniz, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves, Lélia Abramo, Sadi Cabral, Célia Helena, Ítalo Rossi, Dina Sfat, Juca de Oliveira e Raul Cortez. Na pesquisa de campo, a Cia. Livre conseguiu localizar ainda pessoas-chave como o comerciante aposentado Roger Levy, um dos fiadores para o empréstimo bancário que ajudou o grupo a transformar uma antiga garagem num teatro. 



Arena conta Arena 50 Anos
Onde:
Instituto Tomie Ohtake (r. Coropés, 88, Pinheiros, tel. 2245-1900) 
Quando: hoje, às 20h, para convidados, e a partir de amanhã para o público; ter. a dom., das 11h às 20h. Até 29/1 
Quanto: entrada franca

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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