Folha de S.Paulo
16.11.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 2005
TEATRO
Na Casa das Rosas, seis pessoas da platéia jantam tortelloni e tomam vinho durante o espetáculo da cia. Bendita Seja
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O espectador vai ao teatro e janta. No teatro. Em cena. Na quarta-feira passada, a psicóloga Beatriz Chahin era um dos seis privilegiados comensais da peça “Jardim das Delícias”, cuja sessão foi acompanhada pela Folha.
“Foi muito gostosa a maneira como ofertaram a comida. Me senti como se estivesse representando, fazendo parte de um ritual”, diz Chahin, 50.
No início, sentada em semicírculo entre os espectadores escolhidos naquela noite, ela ficou um pouco constrangida em ser observada pelo restante da platéia, cerca de 40 pessoas. Teve vontade de partilhar o prato, mas depois se deixou levar pelo sabor do tortelloni servido pelas atrizes.
“Jardim das Delícias” é o espetáculo da recém-criada cia. Bendita Seja. O elenco de seis mulheres concilia atuação e preparação do molho e da massa. Antes, é claro, os convidados da “mesa” bebem um vinho tinto.
Uma edícula que originalmente era usada como garagem na Casa das Rosas foi transformada cenograficamente num restaurante. O público adentra o espaço impregnado pelo cheiro das folhas de sálvia e alecrim; pelas cores exuberantes dos condimentos, legumes, panelas e utensílios, tudo à luz de velas, sugerindo a cozinha na qual se passam as histórias.
“A emoção vem pela narrativa e pela alquimia da culinária”, diz o chef Fernando Carneiro, que também comeu numa almofada, tendo à frente uma mesa baixa.
A cenógrafa Telumi Helen, 45, afirma que o desejo na direção de arte é dar prazer e aconchego ao público, “como se estivesse na cada da avó, com toda a sofisticação e a delicadeza do feminino”.
Por isso os tons avermelhados e alaranjados nas paredes e figurinos, por exemplo, como a sugerir a imagem do romã ou do próprio útero, segundo a cenógrafa.
O texto de Nanna de Castro, escrito com a colaboração do elenco, introduz as histórias de Luz (Tania Castelo), sua mãe Vivi (Sílvia Poggetti), sua filha Ana (Flavia Milioni) e a empregada Cosma (Vera Lúcia Ribeiro).
Elas rememoram o restaurante Jardim das Delícias, fechado após um crime. Um homem morreu ali, misterioso personagem que complementa a mística feminina e a sensualidade dominantes.
“É um trabalho atemporal, que traz a ancestralidade dessas personagens e também aponta para o contemporâneo”, diz a diretora Rachel Araújo, 62. Aqui, a comida quer servir de metáfora à criação.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.