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Folha de S.Paulo

Japoneses encenam “dor fantasma”

3.3.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, sexta-feira, 03 de março de 2006

TEATRO 
Gekidan Kaitaisha funde teatro, dança e vídeo em espetáculo

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

O tom esverdeado das imagens noturnas da Guerra do Golfo (1991) pontuam o espetáculo “Bye-Bye Phantom”. Seis atores e dançarinos preenchem o palco com movimentos opostos (tensão e relaxamento) e poucas palavras. Os corpos surgem em fusão com bombardeios projetados na tela ao fundo. São penumbras de uma “dor fantasma”, segundo o encenador japonês Shinjin Shimizu.

Ele é o diretor-artístico e um dos fundadores do grupo Gekidan Kaitaisha, que tem sua sede em Tóquio. O nome do grupo pode ser traduzido como “teatro da desconstrução”.

Na primeira viagem a um país da América do Sul, com apresentações gratuitas amanhã e domingo no Sesc Anchieta, em São Paulo, Shimizu traz uma produção da série que intitula “Adeus: O Primitivo Novo”, iniciada em 2001, a reboque do 11 de Setembro.

Violência e globalização compõem o binômio da década em questão, 1991-2001, cujos estilhaços estão recolhidos no espetáculo “Bye-Bye Phantom” e ainda se refletem na ordem do dia.

“Para mim, o trabalho de criação de uma performance equivale a uma desconstrução infinita”, diz Shimizu, cuja formação é influenciada por Tatsumi Hijikata (1928-86), um dos precursores da dança butô na década de 50, ao lado de Kazuo Ohno.
Leia a seguir entrevista feita com o encenador japonês por e-mail.


FolhaComo falar das várias formas de violência -física, moral, psicológica- por meio da representação cênica da própria violência? No espetáculo, há uma cena na qual um homem esbofeteia uma mulher enquanto segura uma faca na outra mão.

Shinjin Shimizu
Quando falamos de violência por meio da performance artística, devemos considerar conceitos como “velocidade”, “gravidade” e “quantidade”. A expressão física pode ser mais rápida, mais forte, sobretudo nos dias atuais, quando a tecnologia orienta a nossa situação cultural.

Eu diria que foi criado um mito em torno desses sentidos físicos, por conta das mídias tecnológicas que fazem do corpo uma ilusão. Para criticar essa violência, trabalhamos com o conceito de “transformação”, no qual a repetição de determinadas ações revela uma memória individual. Na peça, a violência doméstica que você citou é apenas um dos fragmentos.

Folha – Ao usar poucas palavras, o Gekidan crê que a dramaturgia do corpo pode falar mais alto no mundo do excesso de informação?

Shimizu
Na década de 90, sim, talvez tivéssemos um nível imoderado de desconfiança quanto ao uso da palavra (talvez ainda sejamos travados por esse pensamento). Mas, nos últimos anos, após realizar alguns projetos de colaboração internacional, reconheço a importância da língua dentro do espetáculo. A questão é se o sentido da história contada pelo performer ofusca a imagem expressada no palco.
 

Folha – Como Hijikata influenciou o grupo?

Shimizu –
Para restaurar Hijikata com justiça, é importante fazer uma releitura política e filosófica do seu butô. Acredito que ele pensava o corpo como uma tela ou um tipo da pele que projeta cada uma das histórias de horror do mundo. Assim, o butô não deve espelhar narcisismo.



Bye-Bye Phantom
Onde:
teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 3234-3000) 
Quando: amanhã, às 21h, e dom., às 19h 
Quanto: entrada franca (retirar ingressos com antecedência)

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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