Folha de S.Paulo
11.3.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 11 de março de 2006
TEATRO
Atriz diz que valores que faltam à vida contemporânea a levaram a produzir e protagonizar “O Pequeno Príncipe”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Ela mesma enredada no mundo das aparências na era das celebridades, Luana Piovani se diz preocupada com “as coisas invisíveis aos olhos”.
“A vida está tão louca. As pessoas têm ficado cada vez mais preocupadas em fazer sucesso, em ganhar dinheiro, que acho legal a gente botar em pauta esses assuntos, a delicadeza, a tolerância, o olhar no olho, sentimentos que você passa ou recebe, mas não é material”, diz a atriz.
Piovani, 29, está sentada diante do espelho em seu camarim. Um rapaz ajeita o cabelo dela agora curto para protagonizar “O Pequeno Príncipe”, sua segunda produção infantil para teatro, com estréia hoje.
Quando atuou em “Alice no País das Maravilhas” (2003), tinha certeza que a peça seguinte seria uma adaptação da obra do piloto e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), que leu aos 16 anos.
Piovani vê no clássico infantil sobre um menino que viaja pelo espaço uma forma de transmitir valores. “Essa galera de 50 anos já não tem mais jeito, está querendo ser Gérson [referência à chamada lei de Gérson, de levar vantagem em tudo]. Vamos incentivar as crianças a serem mais tolerantes, amorosas”, afirma.
A fábula de Saint-Exupéry é narrada por um piloto que faz um pouso forçado no deserto e lá se depara com um menino que lhe conta sobre suas andanças. Como a viagem por planetas em que encontra alguns donos de mundo: o rei, o vaidoso, o beberrão, o homem de negócios, o acendedor de lampiões e o velho geógrafo.
Há ainda aquelas figuras que cativam mais em outros paragens de areia, rochas ou neve, como a flor e a raposa.
Piovani convidou João Falcão para dirigir e adaptar a história. Ele já havia trabalhado com ela na série televisiva “Comédia da Vida Privada” (1999). Em teatro, é a primeira vez.
Falcão, 47, afirma que é bom falar de sentimentos raros em tempos de violência superestimada, tanto na vida real como na própria arte. “A delicadeza pode ser mais impactante no momento.”
A capa e o cachecol são indissociáveis do menino que Piovani, 1,78 metro, diz interpretar como um desafio. “Minha dificuldade em fazer o personagem é que sou muito feminina.” Cuida em manter a voz grave, em não inclinar a cabeça para o lado o tempo todo, em andar com passos firmes -o que a bota pesada ajuda bastante.
Numa das cenas, a atriz surge em trapézio. São recorrentes outros números aéreos com o elenco formado por Marcus Alvisi (Aviador), Isabel Lobo (Raposa), Ana Baird (Rosa), Renato Oliveira (Serpente) e Felipe Koury (Dono do Mundo).
Em dez anos de experiências no palco e fora dele, como produtora, Luana Piovani arrisca um diagnóstico: “O teatro vive uma fase complicada, todo mundo faz monólogo, comédia, peça com elenco pequeno, porque é muito difícil conseguir patrocínio, pagar o aluguel do teatro”, afirma.
“Eu tenho a sorte de ter a mídia, digamos, ao meu lado. Eu sou uma pessoa que os patrocinadores, as empresas, têm prazer em receber. Todos os patrocínios que precisei até hoje eu consegui.” Coisas visíveis.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.