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Folha de S.Paulo

Medeiros defende teatro de perguntas

22.4.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

TEATRO
Diretor está em cartaz com peças de Beckett e Koltès e ensaia mais duas, uma delas sobre Caio Fernando Abreu 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

O público de teatro já vai se habituando com espetáculos que mais plantam perguntas do que respostas. Para o homem de teatro Francisco Medeiros, fazer arte não é resolver problemas, mas, antes, levantá-los. Foi essa a atitude que ele diz ter tomado na maioria das 98 peças que montou.

Duas delas, monólogos, estão em cartaz em São Paulo e são emblemáticas dessa confiante disponibilidade para o risco.

“A Última Gravação de Krapp” (2000), do irlandês Samuel Beckett, tem elogiada atuação do veterano Antônio Petrin e cumpre curta temporada até amanhã no Instituto Cultural Capobianco.

No Espaço dos Satyros, segue até junho “A Noite Antes da Floresta”, do francês Bernard-Marie Koltès, com interpretação de Otávio Martins.

Em Beckett ou Koltès, muitas vezes é mais importante aquilo que não é dito, seja uma enxurrada de silêncios ou de palavras.

“São peças que se abrem a leituras infinitas de cada espectador no plano das sensações”, diz Medeiros, 57.

Em “Krapp”, um velho ouve a sua voz que gravou 30 anos atrás. Contraponto da capacidade de sonhar e sentir emoções com a ruína impotente, curtida na bebida e endurecida de ceticismo.

Em “A Noite…”, sob chuva, um homem pára numa esquina e dispara a falar com um interlocutor que não se vê e tampouco se sabe quem. Um texto-parágrafo de fôlego, originalmente sem pontos finais.

Medeiros sabe que são textos provocadores. Ele mesmo não tem convicção sobre o caminho a ser trilhado em cada processo.

Há quatro semanas, ele ensaia a sua 99ª peça, inspirada no universo literário de Caio Fernando Abreu. Ensaia, vírgula. São etapas de improvisos, os chamados laboratórios de ator.

A primeira versão da dramaturgia, por Lucienne Guedes, foi apresentada ao elenco na última terça-feira. A opção é pela prática colaborativa com a qual Medeiros se identifica. Uma produção do Núcleo Experimental do Sesi, “B -°Encontros com Caio Fernando Abreu”, título provisório, estréia no mezanino do Centro Cultural Fiesp no dia 1º de junho.

Em agosto, o diretor põe em prática o novo projeto do seu grupo-base, o Núcleo Argonautas. “Terra sem Lei”, também com apoio da Lei de Fomento, sucede “Pode Entrar que a Casa É Sua!”, que lançou as sementes do coletivo em 1999 e “resultou” na encenação de “O que Morreu Mas Não Deitou?” (2004).

Aliou-se treinamento e criação para investigar “vícios expressivos” que independem da vontade e do controle do intérprete. A opção foi pela figura do ator-narrador, devidamente “invadido” pela dramaturgia que o mobilizava para outras possibilidades. Esses experimentos cênicos vieram a público em “O que Morreu Mas Não Deitou?”. “Se a gente não radicalizar, não tem sentido ir adiante”, diz Medeiros.

Em “Terra sem Lei”, o desafio é extrair poética da realidade. “A proposta é encontrar momentos da história do homem em que as relações não eram governadas por regras”, diz Medeiros.

Na semana passada, Medeiros deu uma oficina sobre o mesmo texto no 5º Encontro Mundial das Artes Cênicas, o Ecum, em Belo Horizonte.

Teatro político? “Eu tenho medo dessa expressão, mas sinto necessidade de um engajamento um pouco mais radical e explícito no mundo em que vivemos, e isso sem partidarismo ou proselitismo. Por que o artista não pode se sentir mais impelido a chegar mais perto disso? A merda está vindo pelo ralo e só não vê quem não quer.”



A Última Gravação de Krapp
Quando:
hoje, às 21h, e amanhã, às 19h. Até amanhã
Onde: Instituto Cultural Capobianco -teatro (r. Álvaro de Carvalho, 97, tel. 0/ xx/11/3237-1187)
Quanto: R$ 10

A Noite Antes da Floresta
Quando:
sex. e sáb., às 21h30; até 3/6
Onde: Espaço dos Satyros 1 (pça. Franklin Roosevelt, 214, tel. 0/xx/11/ 3258-6345)
Quanto: R$ 20 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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