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Folha de S.Paulo

Ágora enfatiza política em Shakespeare

18.5.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006

TEATRO 
O diretor Roberto Lage e o ator Celso Frateschi buscam recorte político em “Ricardo 3º”, drama histórico do bardo 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

O diretor Roberto Lage tem predileção pelo teatro de idéias, aquele que imbrica reflexão e risco. Celso Frateschi é um contador de histórias na acepção mais elementar do ofício de ator. Depois de Dostoiévski (“Sonho de Um Homem Ridículo”, 2005), os parceiros da associação Ágora Teatro, criada em 1998 na Bela Vista, vão ao encontro da batida perfeita e universal de William Shakespeare em “Ricardo 3º”.

A montagem desse drama histórico, que estréia amanhã num Ágora reformado e ampliado, é coerente com o projeto de Lage, 59, e Frateschi, 54. Eles pertencem à geração dos anos 60 e 70. Lêem o teatro como arte engajada no entendimento deste século 21. “Ricardo 3º” interessa-os pela profundidade e radicalidade com que Shakespeare revela o homem político na origem do capitalismo.

“O momento de transição que a gente está vivendo, não especificamente brasileiro, mas mundial, lembra de alguma maneira a passagem da Idade Média para o Renascimento, o início do pensamento individualista que levou à transformação da sociedade européia”, diz Lage. “Hoje, atingimos esse ponto de exacerbação do indivíduo, de mudanças nos padrões éticos.”

Segundo o diretor, tal arquétipo não vem para contemporizar a crise política do país, por mais que as metáforas falem por si. Frateschi já trabalhava na adaptação da peça desde o final dos anos 90. A intenção é espreitar o homem ocidental de lá para cá.

O drama se passa logo após o fim da Guerra das Duas Rosas (1455-85), quando as casas de York e de Lancaster travam uma disputa sangrenta pelo trono da Inglaterra. O então duque de Glocester, Ricardo (Frateschi) salta a linha sucessória, na qual é o sétimo, com uma estratégia avassaladora: manda matar irmão, sobrinhos, casa-se com uma viúva de quem tramou a morte do marido e do sogro, enfim, faz tudo para conseguir a coroa. Não dura muito tempo no trono de sangue, até que é assassinado e faz girar a “roda da fortuna” dos vícios.

“Estou tão imerso em sangue que um crime me leva a outro crime. As lágrimas da piedade não habitam esses olhos”, diz Ricardo 3º, num dos lampejos de franqueza para com a platéia. Manco, com a mão esquerda debilitada, o personagem alinha a deformidade física à imoralidade. Expõe, por exemplo, a cara-de-pau na hora de seduzir uma viúva que enterra o marido ou apela à cumplicidade do espectador. “Eu agradeço a Deus pela minha humildade”, diz ele, com humor.

Lage quer refletir na encenação a opção estética pela menor grandeza. Busca “um teatro sem adjetivos”, essencial na dramaturgia e na interpretação. A montagem soma 14 atores, entre eles Renata Zhaneta, Plinio Soares, Patrícia Gaspar e Isabel Teixeira.

O palco reformado do Ágora (pela cenógrafa Sylvia Moreira) surge em três planos e lembra a arquitetura elisabetana dos tempos de Shakespeare. Há novas poltronas, mas o ritmo dos acontecimentos em “Ricardo 3º”, ao cabo, são de causar desconforto.



Ricardo 3º
Quando: estréia amanhã, às 21h; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: Ágora Teatro (r. Rui Barbosa, 672, tel. 3284 0290)
Quanto: R$ 40 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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