Folha de S.Paulo
25.5.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2006
TEATRO
Ator e poeta diz transgredir forma e conteúdo em sua nova peça, “Dinheiro Grátis”, que estréia em São Paulo no sábado
Depois de levar choques estimulados pela platéia em “Regurgitofagia”, Michel Melamed surge numa arena cercada de arame farpado
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Sentado no saguão de um hotel na região da av. Paulista, Michel Melamed “vende” seu negócio ao repórter, não à boca pequena, como o fazem os homens engravatados nas mesas vizinhas. O poeta e ator carioca fala, gesticula e fuma o seu novo espetáculo, “Dinheiro Grátis”, ruído paradoxal que reverbera em São Paulo a partir de sábado, no Tucarena, após temporada no Rio, onde foi recebido com algumas críticas negativas. A cidade já o conhece de “Regurgitofagia”, quando deitava o verbo ligado a dois cabos que, diz, descarregavam choques elétricos ao menor espirro da platéia. O sucesso o levou à França, EUA e, em agosto, à Alemanha. Melamed, 29, também escreveu e co-dirige “Dinheiro Grátis” com Alessandra Colasanti. O espaço cênico é uma arena cercada por arame farpado, imagem que lembra o território proibitivo de um campo de concentração. O ator quer furar esse bloqueio para se comunicar com o público espontânea e dialeticamente. Fala numa terceira via para a cena, o protagonismo que vai daqui, espectador e “co-autor”, para lá, palco, e não apenas o contrário. A seguir, trechos da conversa em que o artista comenta a sua “Trilogia Brasileira”, ainda sem patrocínio, a ser completada com “Homemúsica”. Ele tem a convicção de que seu teatro se aproxima do rock’n’roll pela transgressão na forma e no conteúdo. Deve ter guitarra, mas não uma banda.
DO NOME – É “Dinheiro Grátis” porque a gente está vivendo um momento em que o valor homogeneizador e único é esse, o dinheiro. Para qualquer classe social, seja no campo, na cidade, no primeiro mundo, no subdesenvolvimento, dinheiro é um valor supremo. E não é. Quer dizer, pode vir a ser, para quem quiser optar por isso. O problema é que a grande maioria não opta por isso, mas está entrando na barca. E tem essa frase na peça: “São 6 bilhões de projetos que têm que ser afirmados”. É a humanidade. Não tem mais Che Guevara, não tem mais sebastianismo, não virá um salvador. Aparelhe-se para que você esteja pronto para exercer sua diferença e sua criatividade.”
DA POESIA – A poesia é o principal. É a formação de onde venho, é meu projeto, é minha ambição no sentido mais dúbio, porque é uma pretensa humildade, mas ao mesmo tempo uma afirmação de que é isso mesmo. Numa das cartas de [Antonin] Artaud, quando ele estava internado, ele falava: “Se escrevo poemas não é para publicá-los ou recitá-los, mas para vivê-los”. Quer dizer, eu me relaciono com outras linguagens, acho que elas têm especificidades, mas tudo emana da página em branco, da solidão.
DO ARAME – Tem duas coisas. Uma, a provocação e profanação do espaço. Há um diálogo com “Regurgitofagia”, que era o contrário, o espectador do seu lugar interferia diretamente na minha pele com a descarga elétrica. E a outra coisa é o fato de que existe um impeditivo. Para a gente ficar junto aqui, nesta noite, o arame farpado será um impeditivo? É a visualização da incomunicabilidade a ser suplantada pela afirmação, sim, da comunicação. Muitas vezes a construção da cena é dialética, um texto aponta para uma direção enquanto a ação aponta para outra, e a idéia de síntese é do espectador.
DA CORRUPÇÃO – Dinheiro na cueca, mensalão, acho tudo isso podre. Mas acho tão perigoso quanto, hoje, só se bater nessa tecla. Parece que o PT inventou a corrupção no Brasil. A corrupção é disseminada. Violação do painel do Senado, quanto tempo tem isso? Anões do Orçamento, as ambulâncias. Temos de tomar cuidado. A corrupção não é partidária e não é de agora. Todo dia tem uma denúncia em algum lugar do país.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.