Folha de S.Paulo
6.6.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 06 de junho de 2006
TEATRO
Grupo teatral Frente 3 de Fevereiro realiza intervenção em passeata alemã contra neonazistas
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Berlim
Em sua passagem por Berlim, no final de semana, o coletivo Frente 3 de Fevereiro, grupo teatral de São Paulo, trabalhou com uma questão incômoda para o país-sede da Copa do Mundo -o racismo. O grupo protagonizou uma ação direta durante passeata contra ataques neonazistas a imigrantes em certos bairros ou cidades, as chamadas “go no areas”. E, horas depois, incorporou imagens do ato no próprio espetáculo-manifesto “Futebol”, escalado para o festival de teatro Brasil em Cena. Na manhã de sábado, cerca de 50 pessoas partiram do prédio do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha em direção ao Portão de Brandenburgo, na região central da cidade. Sob garoa, protestavam contra o espancamento de um alemão de origem etíope numa cidade vizinha a Berlim. Aliado a coletivos locais, como Kanak Attack e Togo Action, a Frente 3 de Fevereiro levou uma bandeira de 20 m x 15 m, carregada por várias mãos. No tecido preto, que cobria o asfalto de uma calçada a outra, lia-se em tintas brancas: “Know go area”, uma corruptela em inglês para a zona em que os imigrantes procuram não ir por causa da violência. Ao intervir em ruas, praças e diante das lentes de uma emissora de TV, a bandeira agigantou a passeata. “Não faz sentido trazer o espetáculo sem discutir as relações raciais no mundo contemporâneo”, diz o DJ Eugênio Lima, 38, uma das 20 vozes da Frente, que tem médicos, advogados, grafiteiros, sociólogos, artistas plásticos etc. A bola não rola em “Futebol”, para surpresa, talvez, de alguns espectadores alemães que vestiam a camisa brasileira na noite de estréia em um dos três endereços do complexo teatral Hebbel am Ufer (HAU). Apoiado em vídeo e música ao vivo, traz a fala condutora da atriz Roberta Estrela d’Alva, texto baseado em conversa com o cineasta Noel Carvalho (“Dogma Feijoada”).
Origens
O coletivo paulista nasceu como uma forma de mobilização após o assassinato do dentista negro Flávio Ferreira Sant’Ana, em fevereiro de 2004, por policiais militares do Estado. As primeiras ações da Frente 3 de Fevereiro aconteceram em estádios de futebol, na seqüência do episódio ocorrido com o jogador Grafite, ofendido de maneira racista pelo argentino Desábato. Em três jogos televisionados, as torcidas ajudaram a abrir uma bandeira com precisão coreográfica.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.