Folha de S.Paulo
8.6.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006
TEATRO
Para o diretor do Brasil em Cena, realidade é o foco do teatro brasileiro e alemão das novas gerações
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Berlim
Ele é interlocutor pontual do teatro brasileiro na Alemanha. Já participou de encontro da cia. do Latão em São Paulo e levou para o seu país o “Apocalipse 1,11”, do Teatro da Vertigem. O berlinense Matthias Lilienthal é diretor artístico do Hebbel am Ufer (HAU), um complexo com três edifícios nas proximidades de um canal de Kreuzberg, bairro de formação imigrante da capital, onde terminou ontem o pioneiro festival Brasil em Cena. “Tenho a impressão de que o teatro brasileiro está cada vez mais voltado para a realidade social”, diz Lilienthal, 46. Ele vê fenômeno parecido com artistas das novas gerações em Berlim. Estariam menos afeitos às querelas ideológicas da reunificação das Alemanhas Ocidental e Oriental (1990). O foco agora são os problemas de sua gente, aqui e agora. Vem daí, quem sabe, o interesse do público em travar contato com nomes de teatro até então desconhecidos do “país do futebol”. Em geral, as apresentações lotaram durante os nove dias do evento. Tanto as de um grupo recém-nascido, o Espanca!, de Belo Horizonte (“Por Elise”), em primeira viagem ao exterior, quanto as da calejada Cia. dos Atores, do Rio, que já levou “Ensaio.Hamlet” a cidades como Paris, Nova York e Moscou. Mais sete produções circularam pelos HAU 1, 2 e 3: os espetáculos “Agreste”, da Cia. Razões Inversas (SP); “Arena Conta Danton”, da Cia. Livre (SP); “O Assalto”, do grupo Oficina Uzyna Uzona (SP); “Cavalo Marinho Revisitado”, do Coletivo Pernambuco (PE); e as performances “Futebol”, do coletivo Frente 3 de Fevereiro (SP); e “Tanque” e “Canibal”, de Marco Paulo Rolla (MG). Em paralelo, Zé Celso dirigiu uma leitura dramática de “O Rei da Vela” com atores do teatro Volksbühne. Criado há quase três anos, o HAU convida atrações internacionais dedicadas a experimentos em dança e teatro mas também acolhe a produção independente. “A programação investe em teatro jovem feito por diretores jovens para um público jovem”, diz Lilienthal. Os espaços são estatais e somam ainda apoio de duas fundações -o orçamento anual atinge 4 milhões (R$ 11,7 milhões). Pouco, se comparado a dois respeitados teatros acima do HAU em termos de contemporaneidade: o Volksbühne (fundado em 1914) e o Schaubühne (1962). E o que dizer do teatro e cia. Berliner Ensemble (1949, mas edifício barroco de 1892), que teve o poeta e dramaturgo Bertolt Brecht e a atriz Helene Weigel entre os revolucionários idealizadores? Segundo Lilienthal, nem a sua geração, a da ruptura pós-68 (também a de Frank Castorf, de Christoph Marthaler), nem a atual (“crescida sob estado de bem-estar terrorista”) dialogam com a linhagem tradicional.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.