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Folha de S.Paulo

Abujamra reestréia arroubo pop em SP

5.7.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

TEATRO 
Ator, diretor e apresentador de televisão revolve provocações auto-referentes com o monólogo “A Voz do Provocador” 

Espetáculo volta ao cartaz hoje no Sesc Santana, às vésperas de ele lançar “Senhora Macbeth” na unidade da Vila Mariana

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Ao retornar de apresentações no interior paulista, Antonio Abujamra fica embasbacado com a receptividade de “A Voz do Provocador”, monólogo auto-referente, com o qual viaja desde 2005. Escreve, dirige, atua, não necessariamente nesta ordem.

“Os espectadores aplaudem enlouquecidos, gritam, berram. Eu termino o espetáculo dizendo: “Assim eu me sinto Mick Jagger. Por favor, de joelhos, de pé eu não quero mais”. Sou um ídolo no interior, seria eleito facilmente com 300 mil votos. Lota tudo”, diz Abujamra, 74.

Esse arroubo “pop” é tributado, principalmente, aos seis anos do programa “Provocações”, que ele apresenta na TV Cultura. O monólogo volta ao cartaz em São Paulo, a partir de hoje, no Sesc Santana, às vésperas de Abujamra estrear sua co-direção da colega protagonista Marília Gabriela em “Senhora Macbeth”, no próximo dia 14, no Sesc Vila Mariana (SP).

O ator identificou-se com a autora da peça, a argentina Griselda Gambaro, que também só decolou a carreira literária quando estava na casa dos 60 anos, justamente com a peça “Senhora Macbeth”, de meados da década de 1970. Trata-se de recriação da tragédia de Shakespeare sob o ponto de vista da mulher do tirano do título.

Best-seller pornô
Abujamra conheceu Gambaro durante um festival em Caracas. “Diverti-me muito quando ela disse que era hora de ser um sucesso e que não iria mais escrever as coisas dela, mas sim uma obra pornô para virar best-seller. Escreveu “Lo Impenetrable”, que não tem nada de pornô. Ela é uma das melhores autoras eróticas da América Latina, e mesmo assim ninguém comprou o seu livro”, diz.

De Gambaro, o Brasil já viu montagens de “Dizer Sim” (2000), texto encenado em São Paulo por Márcia Abujamra, prima, e “La Malasangre” (final dos anos 80), no Rio, por Augusto Boal.

Sobre “Senhora Macbeth”, Abujamra fala do “lirismo que nos esmaga”, do “humor cáustico”, da tentativa de mostrar a verdadeira paixão de uma mulher por um homem, sem que a ambição de Lady Macbeth seja evidenciada até a última cena. “São palavras-pétala com o sentimento trágico do mundo”, diz o trovador Abujamra a respeito da dramaturgia de Griselda Gambaro.

O desafio da co-direção, que assina com o uruguaio Hugo Rodas, radicado no Brasil e lotado em Brasília, é fazer com que a recriação dramatúrgica de Gambaro, quando levada à cena, não dependa do clássico shakespeareano para ser compreendida. “É muito difícil.”

Frases feitas
Uma conversa com ele é plena de citações. “É que são melhores do que a nossa conversa.” Às vezes, frases propagadas com brilho no olhar e na voz, uma conjugação suspeita: “Eu não agüento mais dizer poemas, entende? Se há um poema, o meu maxilar já se coloca e já sai tudo direto e bonito, melhor que todo mundo, porque declamo desde a juventude”.

Abujamra diz que “A Voz do Provocador” surgiu da necessidade de fazer um espetáculo que dissesse o que ele pensa, mostrasse coisas que ninguém sabe, nem a platéia, sobre a televisão, por exemplo. “São coisas que nenhuma universidade ensina. Eu falo sobre educação de um modo que nem o Cristóvão Buarque fala. Falo coisas violentas, fortes, boas, sempre dizendo que é preciso se divertir neste país. Não dá para viver sem humor neste país”, afirma Abujamra.

Fala, principalmente, sobre o estado de loucura que, segundo ele, domina nossa época. “Como a gente que possui razão pode cumprir todos os objetivos de uma sociedade que nos leva à loucura?”, pergunta-se.

Para Abujamra, “o teatro é o asilo de loucos, onde o público vem à procura de sua razão”. Em determinado momento do espetáculo, ele manda acender a luz da platéia para enxergar os incautos. “E aí eu começo a falar sobre a liberdade, essa palavra machucada. A garotada pensa que é livre, mas não é. A minha geração foi a da leitura, não tinha a influência tão forte da televisão.”

Apesar do pendor pela palavra, ele contracena com imagens projetadas em um telão, algumas extraídas do seu programa, e até mesmo com uma foto sua, pendurada em um cartaz. Às vezes, se deixa entrevistar pelo público. Mas, ao cabo, não dá outra: ele é o dono da voz. 
 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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