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Folha de S.Paulo

“Linha” questiona a competitividade

1.11.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

TEATRO 
Peça do americano Israel Horovitz, dirigida por Fernando Kinas, expõe cenas de nonsense numa fila 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

“É aqui a fila?” A primeira fala da peça “Linha” pode induzir o espectador de São Paulo à identificação. Afinal, estamos na cidade em que, como se diz, para tudo há que entrar numa fila. Tratando-se de um espetáculo dirigido por Fernando Kinas, porém, a identificação pode até ser sustentada, mas o será por meio de estranhamentos, de “incômodos”, como prefere o diretor. “Linha”, que estréia hoje no N.Ex.T., em São Paulo, foi escrita há quase 40 anos pelo judeu norte-americano Israel Horovitz (1939), pai de um dos integrantes da banda Beastie Boys. Está em cartaz desde 1974 no circuito off-off da Broadway. Kinas assistiu a uma montagem em 1997, em Lisboa. Desde então, o diretor cozinhava a criação de um espetáculo com o seu núcleo de pesquisa, a Kiwi Companhia de Teatro, surgida em Curitiba há dez anos e radicada em SP. Quatro homens e uma mulher disputam entre si para ver quem vai ser o primeiro da fila. Não fica claro a que se destinam. À chegada de cada um, do sujeito que madruga ao que traz seu banquinho, surgem situações de nonsense. Kinas, 40, fala da proximidade de Horovitz nos anos 1960 com autores como Beckett e Ionesco. Chama sua atenção a circularidade das cenas, as possibilidades de desconstrução dos personagens e de uso da metalinguagem, o teatro dentro do teatro. Por exemplo: os nomes dos personagens carregam os prenomes dos respectivos intérpretes. Assim, Stephen César é representado pelo ator César Guirao. Completam o elenco Chiris Gomes, Lori Santos, Paulo Alves e Sérgio Pardal. 

Provocação
Com margem para o improviso, eles exploram os limites espaciais impostos por uma linha branca no chão, acotovelamentos que chegam às raias das violências física e verbal, da dissimulação. “Nós não estamos montando [convencionalmente] a peça do Horovitz, mas partindo de uma provocação, de uma idéia contida no texto: a da competição a qualquer custo”, diz Kinas. Co-traduzido por ele e pelo assistente Fabio Salvatti, o texto vindo à luz nos EUA de 1967 soa premonitório ao pisar terrenos espinhosos das sociedades globalizadas, como enumera o diretor: “A publicidade, o mercado, o cinismo, a mediocridade classe média, a ambição de ser o melhor e de se dar bem, a falta de solidariedade e de companheirismo, o isolamento induzido pelo individualismo”.



Linhas
Quando: estréia hoje, às 21h; qua. e qui., às 21h; até 30/11 
Onde: N.Ex.T. (r. Rego Freitas, 454; SP; tel. 0/xx/11/3106-9936 
Quanto: R$ 20 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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