Folha de S.Paulo
16.11.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006
TETRO
Às vésperas dos 26 anos de sua morte, Nelson Rodrigues ganha seminário, tem romance montado e peça adaptada ao cinema
Obra do autor é discutida no Recife, enquanto “A Mentira” ganha adaptação para o teatro; filme “Vestido de Noiva” estréia amanhã
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“Sempre, sempre, sempre teve esses surtos na vida ou depois da morte do velho”, diz Nelson Rodrigues Filho, 61. E “surto”, vindo do caçula, soa bastante rodriguiano para falar dos projetos que pipocam às vésperas dos 26 anos de morte de Nelson Rodrigues (1912-80), no próximo 21 de dezembro.
Nelsinho conversou por telefone com a Folha minutos antes de sair de casa na noite de terça-feira, no Rio, para assistir à estréia de “A Mentira” em Laranjeiras. Estava acompanhado de sua mãe, Elza, 88.
Aquele romance, escrito em 1953, publicado durante 18 semanas no “Flan” -suplemento dominical do jornal “A Última Hora”- e recuperado somente em 1996, ganha sua primeira adaptação para o teatro, pelo pesquisador de sua obra e encenador Caco Coelho, em pleno salão nobre do Fluminense, fazendo jus ao tricolor fanático.
Na história, Lúcia, 14, descobre que está grávida. Sua mãe, dona Ana, revela que seu marido, dr. Maciel, na verdade não é o pai da moça. Com medo do escândalo, ele tenta escondê-la numa fazenda, mas a mãe discorda. Instaura-se o impasse. A Cia.
Circo de Estudos Dramáticos, dirigida por Coelho, leva 13 atores à cena, entre eles os convidados Nuno Leal Maia, Denise Del Vecchio, Monique Alfradique e Edi Botelho.
“Aqui, ele já assinava Nelson Rodrigues, não usava o pseudônimo Suzana Flag e deflagrava a fase das tragédias cariocas, que iniciaria com “A Falecida”, também de 1953″, diz Coelho.
Homenagem
Em Recife, o Festival de Teatro Nacional homenageia o dramaturgo, que deixou a cidade aos quatro anos, quando a família se mudou para o Rio. Dentro do festival, o seminário “Nelson Rodrigues e a Cultura Brasileira” começou ontem e segue até domingo com personalidades convidadas a refletir sobre as peças do autor.
“A obra dele tem um paradoxo: Nelson é o pai do teatro moderno brasileiro e trabalha com elementos arcaizantes como poucos no mundo. Há uma tensão entre o homem de teatro [da palavra] e a potência plástica e formal enorme, ao mesmo tempo tão grudada ao arcaico”, diz o artista plástico Nuno Ramos, 46, que falou ontem sobre “Vestido de Noiva” (1943).
Também foram escalados para o seminário -com curadoria do dramaturgo Aimar Labaki e do diretor Antonio Cadengue- o psicanalista Mauro Meiches, o jornalista Eugênio Bucci, o colunista da Folha Marcelo Coelho e os diretores Eduardo Tolentino de Araújo e Luiz Arthur Nunes.
Na programação, consta a montagem carioca de “Toda Nudez Será Castigada” (2005), por Paulo de Moraes, da Armazém Cia. de Teatro, e um ciclo com filmes adaptados de peças de Nelson, inclusive o longa que entra em circuito nacional amanhã, “Vestido de Noiva”, na versão do primogênito Joffre Rodrigues.
Fusão de obras
Em São Paulo, o diretor Frank Castorf, do teatro Volksbühne, na Alemanha, ensaia com atores brasileiros uma fusão de “Anjo Negro” (1946), uma das peças míticas de Nelson, com “A Missão, Lembrança de uma Revolução”, do alemão Heiner Müller (1929-95).
No elenco, Denise Assunção, Roberto Audio, Georgette Fadel e um coro de atores negros. A estréia está prevista para o dia 30/11, no Sesc Vila Mariana. Antes, no dia 22/11, a Cia. A4, de Salvador, estréia curta temporada de “InSônia” no Sesc Avenida Paulista, adaptação e direção de Hebe Alves para o monólogo “Valsa nº 6” (1951).
Sônia, uma garota de 15 anos, surge em seus últimos instantes de consciência, transitando os planos da alucinação, memória e realidade. A personagem ganha quatro faces distintas na montagem baiana.
A Mentira
Quando: ter. a qui., às 21h30. Até 20/12
Onde: Fluminense Futebol Clube (r. Álvaro Chaves, 41, Laranjeiras, Rio, tel. 0/xx/21/ 2553-7240, r. 251)
Quanto: R$ 20
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.