Folha de S.Paulo
2.12.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 02 de dezembro de 2006
TEATRO
Companhia questiona, em “O Círculo de Giz Caucasiano”, de Bertolt Brecht, a quem cabe o direito à propriedade de terra
Peça dirigida por Sérgio de Carvalho alude à questão agrária com exibição de curta-metragem feito em acampamento de sem-terra
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Quando assistiu a uma montagem de “O Círculo de Giz Caucasiano” pela lendária companhia alemã Berliner Ensemble, em 1955, o pensador francês Roland Barthes (1915-1980) escreveu que a peça “realiza uma dupla intenção do teatro de Brecht: despertar e alimentar a consciência política do espectador e, ao mesmo tempo, garantir seu prazer mais franco, pois o teatro é feito para divertir”.
Francamente mais à esquerda daquela definição de Barthes, a Companhia do Latão repõe o texto na roda meio século depois da morte do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Bússola do teatro épico-dialético cultuado em seus primeiros dez anos de história, completados em 2007, o grupo só havia encenado uma peça do autor, “Santa Joana dos Matadouros” (1998), ainda que se deixe contaminar por ele em todas as criações.
Estréia hoje no Sesc Avenida Paulista a montagem de “O Círculo de Giz Caucasiano”, assinada por Sérgio de Carvalho e vinda de temporada no Rio.
Já no prólogo, a questão política está dada: a quem cabe o direito à propriedade da terra? A encenação opta por atualizar o texto, escrito nos EUA durante o exílio do autor, entre 1944 e 1945 (final da 2ª Guerra). É projetado um curta-metragem feito por camponeses do grupo Filhos da Mãe Terra, do assentamento Carlos Lamarca do MST em Sarapuí (SP).
Num mundo rural arcaico, agricultores e criadores de cabras disputam a posse de um vale fértil; uma discussão entre aqueles que nele trabalham e os que o abandonaram. “O prólogo e a peça como um todo questionam o sistema jurídico apoiado na propriedade, uma noção burguesa”, afirma Carvalho, 39, à vontade com uma dramaturgia assentada em ideais marxistas e comunistas.
Fábula e reviravolta
“O Círculo de Giz Caucasiano” é dividido em duas partes. A primeira, em tom de fábula, narra a fuga de Grusha (Helena Albergaria) por várias regiões.
Ela é a empregada que toma conta de uma criança abandonada pela mãe, mulher do governador, durante uma revolução palaciana. Na segunda parte, reviravolta: a mãe biológica reivindica a posse da criança, aqui como metáfora da terra do prólogo, e cabe ao juiz Azdak (Ney Piacentini), agora na chave da farsa, decidir se Grusha fica com ela ou não. Um beberrão que ascendeu da classe baixa, ele espelha a desconformidade patética da própria justiça.
Azdak risca um círculo de giz no chão, coloca o menino no centro e pede às duas mulheres que o puxem cada uma por um braço. Aquela que o tirasse do círculo ficaria com a guarda.
Grusha evita a força para não machucá-lo, o que põe o desfecho em suspense. A música é fundamental na narrativa. Martin Eikmeier compôs 21 canções e as executa ao lado de Mafá Nogueira, com instrumentos como piano, violoncelo e rabeca. Entre os dez atores, há convidados de outros grupos (Companhia São Jorge de Variedades, Núcleo Argonautas e Teatro do Pequeno Gesto).
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.