Folha de S.Paulo
10.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007
TEATRO
A Armadilha, companhia de Curitiba, traz a São Paulo montagem de peça espanhola que recorre a seres e lugares imaginários
Nadja Naira dirige produção elogiada no Fringe e que entra agora em temporada de quatro semanas no Sesc Avenida Paulista
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Há pouco em que se agarrar em “Os Leões”. A abstração sugere dois homens que poderiam ser a mesma pessoa. Ego e superego, talvez. Há pistas.
Eles dividem o apartamento numa cidade qualquer do planeta. A época tampouco é conhecida. Em meio à rotina (ler o jornal, o livro, preparar o café, espiar a janela, raro canal com o mundo lá fora), os seres passam a investigar atitudes suspeitas na vizinhança, onde teria ocorrido um crime.
O espetáculo d’A Armadilha Companhia de Teatro, de Curitiba, foi um dos mais elogiados pela crítica na edição de março passado do Fringe, a mostra paralela do festival nacional. E chega agora para curta temporada de quatro semanas, a partir de hoje, na Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista, dentro do projeto Primeiro Sinal -porta aberta a grupos emergentes dedicados à experimentação.
Risco é o que não falta aqui. O estado de indefinição que permeia a peça do não menos enigmático autor espanhol Pablo Miguel de la Vega y Mendoza -dono de uma biografia misteriosa; ele teria vivido entre 1911 e 1955, e deixou um texto ou outro- é defendido pelos intérpretes Alexandre Nero e Diego Fortes e pela encenadora Nadja Naira.
“A gente também foi montando as peças do nosso quebra-cabeça”, diz Naira, 34, experiente desenhista de luz vinculada à também curitibana Companhia Brasileira de Teatro, que já passou por São Paulo com as peças “Volta ao Dia” e “Suíte 1”.
Naira assina a primeira direção na carreira. Deseja traduzir em cena a estrutura dramatúrgica de tons surrealistas e dar margem para que o espectador construa entendimentos e sensações próprias.
Narrativas não-lineares
O texto original de De la Vega y Mendoza não confere nome ou número aos personagens. São travessões, um atrás do outro, sem que se saiba de quem é a voz ou a vez. São mínimas a indicações de cena.
Em três meses de pesquisa e de ensaios, a companhia chegou a um resultado labiríntico identificável, segundo a diretora, na obra do argentino Jorge Luis Borges, de narrativas não-lineares. “Esse exercício com o imaginário faz falta. Por causa da correria cotidiana, ficamos sempre ligados às coisas práticas e não nos permitimos acessar essas pequenas filosofias, questões metafísicas do universo paralelo à realidade”, afirma o ator Diego Fortes, 24, que foi, em 2001, um dos fundadores d’A Armadilha. É dele a tradução e adaptação da peça que lhe foi apresentada por outro autor espanhol, Alejandro Kauderer, de quem dirigiu “Café Andaluz” (2005).
Uma imagem cara à concepção do espetáculo é a do me- nino aninhado em uma baleia em “Moby Dick”, o clássico do escritor norte-americano Herman Melville (1819-1891).
Em “Os Leões”, os sujeitos resistem a se aventurar fora de casa.
O título original da peça pode advir da passagem na qual um deles diz que, para os especialistas em leões, eles são sempre isso mesmo, meros leões. As aparências enganam, mas, enfim, aparecem, conforme o poeta Paulo Leminski. E de acordo com a sensibilidade de cada um.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.