Folha de S.Paulo
28.6.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 28 de junho de 2007
TEATRO
Atriz volta a SP com peça de Flavio de Souza que marcou sua estréia no palco, há 18 anos
Montagem tem direção de Walter Lima Jr. e Murilo Benício como o morto que passa a limpo relação com viúva durante velório
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A atriz Marisa Orth tinha 25 anos quando estreou profissionalmente no palco, num teatro que se chamava Igreja, no Bexiga, em São Paulo. Fazia o papel de uma viúva na noite do velório do marido -estirado na cama, e não no caixão, encostado no corredor da casa. Afinal, era e é uma comédia mais sobre a alcova do que sobre o além. Orth, 43, volta a “Fica Comigo Esta Noite”, de Flavio de Souza, que a dirigiu em 1988. A nova montagem é assinada por Walter Lima Jr., cineasta recém-chegado ao teatro.
Estreou no Rio em 2006, girou por vários Estados e cumpre temporada em São Paulo a partir de amanhã, no Teatro Folha.
A intérprete da viúva diz que amadureceu com as experiências desses 18 anos; ela, que se tornou uma celebridade de novelas, programas humorísticos e capas de revista masculina. “Hoje, minha idade é mais próxima à da viúva. Antes, era difícil imaginar uma mulher que tivesse vivido um casamento de mais de dez anos, sofrido desgastes. Eu era muito nova, não tinha subsídios para falar de amor e de morte”, diz Orth.
No final dos anos 80, ela freqüentava o underground com a banda Luni, ao lado de Théo Werneck, Natália Barros e outros. Emendou depois com a banda Vexame. A carreira logo virou revezamento entre música, teatro, TV e cinema. De volta ao cartaz em um palco da cidade onde nasceu, Orth atribuiu sua revelação, na época, à qualidade do texto de Souza. Aquela versão era praticamente um monólogo. O defunto, interpretado por Carlos Moreno, tinha menos peso nas falas e ações. Agora, a atriz contracena com Murilo Benício.
Foi com a produção carioca de 1990, dirigida por Jorge Fernando e interpretada por Débora Bloch e Luiz Fernando Guimarães, que Souza consolidou a dramaturgia. “Uma comédia de velório”, como brinca Orth. Ou uma “comédia dramática”, como prefere o autor. Ela é uma dona de casa que nunca saiu do bairro onde nasceu. O clímax de sua vida foi o casamento. Ele, funcionário de uma firma medíocre, teve o ápice da existência na morte. Na peça, os personagens atravessam presente e passado.
A viúva é a interlocutora das pessoas invisíveis que dão as caras na noite: o chefe dele, as moças do escritório, o padre, a vizinhança, os parentes etc.
O espectador é cúmplice das falas-pensamentos do morto, que levanta da cama e circula para lá e para cá. “Faz tempo que morri. Olha, estou com o terno novo. De gravata. É a mesma do casamento. O quarto está cheio de gente. Não me puseram na sala. Ela não quis”, diz ele, em tom confessional.
No princípio, ela não ouve as intervenções do “espírito”. Até que, na segunda parte do espetáculo, numa atmosfera de sonho, eles ficam sozinhos (todos são expulsos da casa). Finalmente, entabulam uma conversa e acertam as contas na cerimônia particular de adeus. “Apesar de certas passagens patéticas, a comédia emociona, faz o público sair do teatro e pensar sobre relações, despedidas, tempo perdido”, diz Orth.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.