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Folha de S.Paulo

“Procuramos o pequeno para achar o grande’

27.8.2007  |  por Valmir Santos

São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007

TEATRO

VALMIR SANTOS
Do Enviado a Avignon (França)

Ariane Mnouchkine é nome catalisador no teatro francês. Basta acompanhar sua presença no Festival de Avignon, há anos um espaço cativo para seus espetáculos e falas públicas. Os espectadores, os artistas e a crítica jamais lhe são indiferentes. Nem ela. 

Uma das fundadoras do Théâtre du Soleil, em 1964, ao lado de amigos estudantes, a encenadora é identificada com as causas socialistas, traduzidas no plano artístico em criações coletivas. Ela já visitou o Brasil em várias ocasiões, participando de conferências. Em “Les Éphémères” (os efêmeros), assume a emoção como vetor para a reflexão. “A emoção não bloqueia o pensamento, faz parte da vida. E o teatro não pode passar ao largo dela.” 

A seguir, trechos do breve encontro com a Folha durante sessão de “Les Éphémères” num parque expositivo de Avignon, no mês passado. (VALMIR SANTOS) 
 

FOLHA – Há uma certa reserva mitificadora em torno de seu nome e do Théâtre du Soleil. O motivo disso seria a manutenção das utopias dos anos 60? 

ARIANE MNOUCHKINE – Existe essa mitificação, mas não é minha culpa. As utopias do grupo são as mesmas, não acabaram. É um sonho de 43 anos, e não significa um sonho nas nuvens. 

Você o vê aqui, feito de muito barulho de panela [olha para a cozinha onde está sentada, nos bastidores, na qual artistas preparam comida], muito trabalho e dificuldade; muita alegria e às vezes um pouco de sofrimento.
 

FOLHA – E a evolução do ponto de vista estético? 

MNOUCHKINE
– Houve mudanças, é claro. Mas penso que o caminho de um grupo de 43 anos é procurar a vida, a verdade. E para isso existem momentos, épocas. É como um pintor que tem um período azul, outro rosa, cada um a seu tempo. Os grupos também têm sua época.
 

FOLHA – Qual o potencial da prática da criação coletiva hoje? 

MNOUCHKINE – Ela se transformou e ficou ainda mais coletiva. Isso é curioso. Antes, quando a encenação não era coletiva, o cenário é que era coletivo. Era coletivo o trabalho de improvisação, os figurinos, mas a encenação não. Agora, mesmo o cenário e a encenação são coletivos.
 

FOLHA – Qual a expectativa em finalmente se apresentar na América Latina, onde a criação coletiva é bem disseminada? 

MNOUCHKINE
– Nem sempre a possibilidade do trabalho coletivo é recíproca. Mas a expectativa é gigante, sim. Foi preciso passar 43 anos para a gente pôr o pé na América Latina.
 

FOLHA – “Les Éphémères” parece valorizar a menor grandeza, os pequenos milagres do cotidiano das pessoas comuns. 

MNOUCHKINE
– Sim. No trabalho de criação a gente procura justamente o pequeno para achar o grande. 

Você tem razão, são pequenos milagres, pequenas gavetas trancadas com as grandes tragédias. Trata dessa coisa enorme que é a vida humana. Mostra o quanto somos semelhantes em muitos momentos.
 

FOLHA – Mesmo abandonando o tom espetacular das montagens anteriores, a sra. acha possível alcançar essa dimensão épica por meio do universo íntimo dos personagens? 

MNOUCHKINE
– Apesar de tudo, tem algo de épico nesse não épico. O épico não é sempre [emite sonoridade onomatopaica para dar noção de grandiosidade]. Mas estou de acordo em ser questionada sobre isso, sobre o sentido real da palavra épico.



O jornalista VALMIR SANTOS viajou a convite do Consulado Geral da França em São Paulo

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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