Folha de S.Paulo
18.10.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007
TEATRO
Com 50 anos de carreira, atriz protagoniza adaptação inédita do autor francês
“Eu Estava em Minha Casa e Esperava Que a Chuva Chegasse” conta a história de cinco mulheres à procura de um parente perdido
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Quando olha para a cena teatral da cidade de São Paulo e se depara com a tônica de grupos, Miriam Mehler se sente à vontade. Há quase 50 anos, em fevereiro de 1958, ela estreava no Teatro de Arena com “Eles Não Usam Black-Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), ator e dramaturgo daquele coletivo. A intérprete passou ainda pelo TBC e Oficina. A partir de hoje, com pré-estréia para convidados, Mehler, 72, ancora o novo espetáculo de uma companhia formada há sete anos, a Elevador de Teatro Panorâmico, dirigida por Marcelo Lazzaratto.
Trata-se da peça “Eu Estava em Minha Casa e Esperava Que a Chuva Chegasse”, de Jean-Luc Lagarce (1956-85), inédita no Brasil. Ela é a mais velha das cinco mulheres de uma família, abaladas com a volta do neto/ filho/irmão desaparecido.
Em verdade, ele não “reaparece”. Na peça, a figura masculina, apesar de epicentro da narrativa, é deslocada para as margens. “O autor vai fundo na alma feminina”, diz Mehler.
Para a atriz, em Lagarce importa mais o não dito. “Aquilo que um personagem pensa, o subtexto de uma fala”, afirma Mehler. Uma das inspirações do texto é a peça “As Três Irmãs”, de Anton Tchecov.
A ausência do rapaz, por anos, faz com que as cinco personagens se agarrem à imaginação. Cada uma, a seu modo, divaga, pensa, cria mundos e possibilidades de existência que tomam por reais.
Quando acham que já firmaram suas redes de segurança para a angústia da espera, eis que o homem, redivivo, chega, cai no chão e não se sabe se está vivo ou morto. Permanece o tempo todo no quarto, e é a partir daí que deslancha a história com o sujeito oculto.
Para essas mulheres, conforme Lazzaratto, a realidade passa a ser uma coisa pequena diante do universo de possibilidades que elas criam na cabeça. O diretor teatral destaca a linguagem contemporânea de Lagarce. “A forma pela qual o autor tece seu texto é muito precisa”, conclui.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.