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Folha de S.Paulo

Espírito de Ornitorrinco

29.4.2008  |  por Valmir Santos

São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2008

TEATRO 
Dirigido por Cacá Rosset, grupo monta terceiro Shakespeare, “A Megera Domada”, e celebra em livro a irreverência de três décadas 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Maio de 1977. Antunes Filho arquiteta “Macunaíma” para o ano seguinte. José Celso Martinez Corrêa ziguezagueia no exílio entre Portugal e Moçambique, prestes a retornar. Em meio à ditadura militar (1964-85), o termo porão ganha outros contornos nas mãos da atriz e professora Maria Alice Vergueiro e de seus pupilos Luiz Roberto Galizia e Cacá Rosset, da Escola de Comunicações e Artes da USP.
O trio dá o que falar em “Os Mais Fortes”, espetáculo levado a um espaço improvisado do teatro Oficina, no Bexiga. É ali que o público lota sessões alternativas, inclusive à meia-noite.
O boca-a-boca é movido pela irreverência com a qual a criação coletiva trata os textos curtos do sueco August Strindberg, um embate de forças (ou de cérebros) sob a ótica darwiniana da sobrevivência da espécie.
E depois veio Brecht, contundência sócio-política lida em chave cômica. E depois vieram Molière, Shakespeare e Alfred Jarry, para citar clássicos que ajudaram o Teatro do Ornitorrinco a inscrever seu nome na história do teatro no país.
O grupo desenvolveu uma linguagem que funde circo, dança, teatro, música e o ímpeto desenfreado pela iconoclastia. Os mesmos ingredientes que a crítica percebe manejados sem a consistência de antes em produções de 1998 para cá (“O Avarento”, “Scapino” e “O Marido Vai à Caça!”).
“Megera”
Agora, quase 31 anos depois, o Ornitorrinco volta à carga com um novo Shakespeare, “A Megera Domada”, que estréia dia 30/5 no teatro Sérgio Cardoso. É a terceira visita à obra do dramaturgo inglês. A projeção internacional do grupo veio justamente em “Sonho de uma Noite de Verão” (1992). As fadinhas seminuas chamaram a atenção de público e crítica nas apresentações ao ar livre no Delacorte Theatre do Central Park, em Nova York.
As três décadas serão lembradas ainda com o lançamento, em junho, de “Teatro do Ornitorrinco – Para Vosso Prazer, para Vosso Deleite e para Vossa Diversão!” (Imprensa Oficial, 336 págs., preço a definir). O livro autobiográfico terá depoimentos e imagens de quem atravessou o grupo ou segue vinculado à sua história. O texto é de Guy Corrêa, com projeto gráfico de Victor Nosek, capa de Angeli e coordenação editorial de Christiane Tricerri.
Em “Megera Domada”, é ela, Tricerri, 46, ligada ao grupo desde 1985, quem interpreta Catarina, a mulher que não aceita ser subjugada por ninguém e que tenta resistir aos galanteios do brutamontes Petrucchio (Rosset). A irmã da protagonista, Bianca (Maureen Miranda), também entra na torcida para que se casem logo, já que só assim poderá ser liberada a um pretendente, como condiciona o pai.
Lutar é verbo-motriz nessa comédia, prato cheio para a ação física que o Ornitorrinco aprecia acentuar. “Há uma passagem entre Petrucchio e Catarina toda pontuada por golpes, com voadoras e tudo”, afirma Rosset, 54, também o diretor.
Segundo Tricerri, o espetáculo reforça a metalinguagem do prólogo, muitas vezes visto de soslaio. Shakespeare inverte os papéis de um funileiro bêbado e de um lorde. Paramentados no palácio, é a eles que uma trupe de atores apresenta a peça dentro da peça.
São 24 artistas no palco, músicos incluídos. Parte do elenco esteve em produções anteriores, caso de Eduardo Silva, William Amaral, Rubens Caribé, Guilherme Freitas e Anderson Faganello. Direção de arte e figurinos são de José Anchieta.
Ubu governador
Rosset considera “Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes” (1985) a montagem mais bem-sucedida no currículo. Foi vista por cerca de 350 mil pessoas em dois anos e três meses em cartaz. Resultou uma colagem de textos da obra do francês Alfred Jarry em torno do rei que usurpa o trono em um lugar imaginário. Imprimia frenético vaivém em meio a malabares, engolidores de fogo, trapézios e banda ao vivo, para deleite do público jovem.
A “patafísica”, ou “ciência das soluções imaginárias”, colou de tal modo que invadiu a realidade: Rosset encarnou pai Ubu em happening, a ponto de o Tribunal Regional Eleitoral protocolar sua candidatura sob o slogan “Horror por horror, Ubu governador”.
“Hoje, o Ornitorrinco é mais um estado de espírito do que um grupo. Somos pessoas com afinidades, que reciprocamente se escolhem”, diz Rosset.
Em suas diferentes fases e faces, foi cepa de comediantes como Rosi Campos, José Rubens Chachá, Ary França, Norival Rizzo e cantores como Cida Moreira, Edson Cordeiro e Elba Ramalho. Sem contar a influência em projetos como Circo-Escola Picadeiro, Parlapatões e Acrobático Fratelli.

Maio de 1977. Antunes Filho arquiteta “Macunaíma” para o ano seguinte. José Celso Martinez Corrêa ziguezagueia no exílio entre Portugal e Moçambique, prestes a retornar. Em meio à ditadura militar (1964-85), o termo porão ganha outros contornos nas mãos da atriz e professora Maria Alice Vergueiro e de seus pupilos Luiz Roberto Galizia e Cacá Rosset, da Escola de Comunicações e Artes da USP.

O trio dá o que falar em “Os Mais Fortes”, espetáculo levado a um espaço improvisado do teatro Oficina, no Bexiga. É ali que o público lota sessões alternativas, inclusive à meia-noite.O boca-a-boca é movido pela irreverência com a qual a criação coletiva trata os textos curtos do sueco August Strindberg, um embate de forças (ou de cérebros) sob a ótica darwiniana da sobrevivência da espécie.

E depois veio Brecht, contundência sócio-política lida em chave cômica. E depois vieram Molière, Shakespeare e Alfred Jarry, para citar clássicos que ajudaram o Teatro do Ornitorrinco a inscrever seu nome na história do teatro no país.

O grupo desenvolveu uma linguagem que funde circo, dança, teatro, música e o ímpeto desenfreado pela iconoclastia. Os mesmos ingredientes que a crítica percebe manejados sem a consistência de antes em produções de 1998 para cá (“O Avarento”, “Scapino” e “O Marido Vai à Caça!”).

“Megera”
Agora, quase 31 anos depois, o Ornitorrinco volta à carga com um novo Shakespeare, “A Megera Domada”, que estréia dia 30/5 no teatro Sérgio Cardoso. É a terceira visita à obra do dramaturgo inglês. A projeção internacional do grupo veio justamente em “Sonho de uma Noite de Verão” (1992). As fadinhas seminuas chamaram a atenção de público e crítica nas apresentações ao ar livre no Delacorte Theatre do Central Park, em Nova York.

As três décadas serão lembradas ainda com o lançamento, em junho, de “Teatro do Ornitorrinco – Para Vosso Prazer, para Vosso Deleite e para Vossa Diversão!” (Imprensa Oficial, 336 págs., preço a definir). O livro autobiográfico terá depoimentos e imagens de quem atravessou o grupo ou segue vinculado à sua história. O texto é de Guy Corrêa, com projeto gráfico de Victor Nosek, capa de Angeli e coordenação editorial de Christiane Tricerri.

Em “Megera Domada”, é ela, Tricerri, 46, ligada ao grupo desde 1985, quem interpreta Catarina, a mulher que não aceita ser subjugada por ninguém e que tenta resistir aos galanteios do brutamontes Petrucchio (Rosset). A irmã da protagonista, Bianca (Maureen Miranda), também entra na torcida para que se casem logo, já que só assim poderá ser liberada a um pretendente, como condiciona o pai.

Lutar é verbo-motriz nessa comédia, prato cheio para a ação física que o Ornitorrinco aprecia acentuar. “Há uma passagem entre Petrucchio e Catarina toda pontuada por golpes, com voadoras e tudo”, afirma Rosset, 54, também o diretor.Segundo Tricerri, o espetáculo reforça a metalinguagem do prólogo, muitas vezes visto de soslaio. Shakespeare inverte os papéis de um funileiro bêbado e de um lorde. Paramentados no palácio, é a eles que uma trupe de atores apresenta a peça dentro da peça.

São 24 artistas no palco, músicos incluídos. Parte do elenco esteve em produções anteriores, caso de Eduardo Silva, William Amaral, Rubens Caribé, Guilherme Freitas e Anderson Faganello. Direção de arte e figurinos são de José Anchieta.

Ubu governador
Rosset considera “Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes” (1985) a montagem mais bem-sucedida no currículo. Foi vista por cerca de 350 mil pessoas em dois anos e três meses em cartaz. Resultou uma colagem de textos da obra do francês Alfred Jarry em torno do rei que usurpa o trono em um lugar imaginário. Imprimia frenético vaivém em meio a malabares, engolidores de fogo, trapézios e banda ao vivo, para deleite do público jovem.A “patafísica”, ou “ciência das soluções imaginárias”, colou de tal modo que invadiu a realidade: Rosset encarnou pai Ubu em happening, a ponto de o Tribunal Regional Eleitoral protocolar sua candidatura sob o slogan “Horror por horror, Ubu governador”.”Hoje, o Ornitorrinco é mais um estado de espírito do que um grupo. Somos pessoas com afinidades, que reciprocamente se escolhem”, diz Rosset.

Em suas diferentes fases e faces, foi cepa de comediantes como Rosi Campos, José Rubens Chachá, Ary França, Norival Rizzo e cantores como Cida Moreira, Edson Cordeiro e Elba Ramalho. Sem contar a influência em projetos como Circo-Escola Picadeiro, Parlapatões e Acrobático Fratelli. 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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