Bravo!
26.1.2012 | por Valmir Santos
Em Prometheus – A tragédia do fogo, a Companhia Teatro Balagan expõe a complexidade da saga do titã que rouba o fogo de Zeus. Por Valmir Santos
Poucos mitos da Grécia antiga foram tão revisitados como o de Prometeu. O personagem, que apareceu pela primeira vez nos versos da Teogonia, do poeta Hesíodo, teria roubado o fogo de Zeus. Como vingança, o líder dos deuses do Olimpo acorrentou o titã a um rochedo e fez com que ele fosse fustigado por uma águia durante milhares de anos. Tal história inspirou grandes autores do Ocidente, como Ésquilo, Platão, Goethe, Pirandello, Franz Kafka, Heiner Müller e Machado de Assis. Na primeira incursão pela tragédia clássica em 12 anos de currículo, a Companhia Teatro Balagan bebe de todas essas fontes e propõe uma versão inovadora do mito à luz dos dias atuais em Prometheus – A tragédia do fogo, em cartaz no Tusp, em São Paulo.
Na dramaturgia assinada por Leonardo Moreira, mas criada coletivamente e ainda em constante mutação, Prometeu perde o papel de protagonista, função que assume na obra de Ésquilo mais conhecida em palcos brasileiros. Sua saga é contada também por outros personagens que interagem com ele, gerando uma polifonia de vozes. Entre os relatos agregados estão os de Epimeteu, o irmão, os da Águia, que a tudo sobrevoa vigilante, e os de Pandora, primeira fêmea enviada por Zeus, com sua caixa que guardaria todos os males.
ATO TRANSGRESSOR
O trabalho de multiplicar as vozes não se limita à estrutura narrativa. Na década passada, Antunes Filho foi decisivo para tirar a pompa do gênero trágico e valorizar a linguagem em peças dos clássicos gregos Sófocles e Eurípedes. O projeto da Balagan, encabeçado pela diretora Maria Thaís, vai mais adiante: é um marco no aprofundamento da qualidade do trabalho vocal (preparação feita pelo ator Jean Pierre Kaletrianos). A voz é pilar em intervenções individuais ou por meio do coro. Às poderosas imagens do texto somam-se os cânticos em grego arcaico. São recursos que evitam a simplificação do herói e ampliam os sentidos de seu ato transgressor para incutir reflexão. O espectador nota o desacordo entre a previdência e a imprudência, sejam divinas ou humanas.
O uso pouco convencional do espaço distribui a plateia em quatro ângulos. A cenografia de Márcio Medina e a iluminação de Fábio Retti sincronizam movimentos de cena por meio de cortinas, ora em plano aberto, ora fechado. Em sua minuciosa criação, a companhia consegue redimensionar os ritos sacrificais e os vínculos ancestrais, como se os sussurrasse ao ouvido.
Valmir Santos é jornalista e pesquisador de teatro.
A PEÇA
Prometheus – A tragédia do fogo. Texto de Leonardo Moreira. Direção de Maria Thaís. Com Companhia Teatro Balagan (Antonio Salvador, Gustavo Xella e outros). Tusp (r. Maria Antônia, 294, SP, tel. 0++/11/3123-5233). 5ª a sáb., às 21h; dom., às 19h. R$ 20. Até 4/12.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.