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Reportagem

Bonecos adultos no Festival de Curitiba

23.2.2014  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Rafael Arenas

Uma linguagem teatral em alta mundo afora ganhou representantes na mostra oficial do Festival de Curitiba: os bonecos utilizados em peças adultas. E as peças não só ultrapassam a tradicional ligação com o universo infantil, mas também propõem um tom sensual às histórias que contam.

A primeira, Otelo, levará a tragédia do mouro de Shakespeare ao Guairão nos dias 27 e 28 de março. Os chilenos do grupo Viajeinmóvil usam bonecos em que a cabeça é dissociada do corpo para criar uma mobilidade em que o olhar do espectador ora é fixado no personagem inanimado, ora no ator que o manipula. Aqui não existem panos pretos a cobrir quem manuseia os objetos, e sim uma total simbiose de atuação.

“Shakespeare escreveu uma cena de assassinato por asfixia em tempo real – uma indicação que nos deu a chave para o uso de bonecos. O que com humanos pode ficar ridículo e grotesco, com bonecos pode ser cruel e verdadeiro”, disse por e-mail à Gazeta do Povo o diretor Jaime Lorca, que também interpreta Otelo.

Resta a dúvida de como o espetáculo intimista se comportará em nosso segundo maior teatro, já que a trama de ciúmes e paixão é muito construída a partir de reações e pequenas sutilezas de interpretação.

Ao buscar palavras simples para traduzir o texto, o grupo vem recebendo uma resposta de identificação das plateias. “O público recebe o espetáculo como um conflito contemporâneo, e estamos satisfeitos por conseguir recuperar Shakespeare para o teatro e tirá-lo dos museus. No Chile, a violência de gênero é muito habitual”, diz Jaime, referindo-se à morte da mulher de Otelo, Desdêmona.

'Transgressões', da Pia Fraus, evoca cofundador Beto Limaundefined

‘Transgressões’, da Pia Fraus, estreia na mostra

O segundo trabalho desta mostra 2014 com bonecos adultos – dessa vez, declaradamente eróticos – será trazido pela paulistana Pia Fraus dias 1.º e 2 de abril. Nesse caso, a necessidade por um palco que aproxime os objetos do público será suprida pelo formato de arena do Teatro do Paiol.

Transgressões é resultado de uma sacada do grupo para comemorar seus 30 anos: recuperar bonecos de produções adultas anteriores e usá-los numa história sobre relacionamentos. Em cena, dois homens e duas mulheres atuam e dançam quase sem palavras para falar de vários aspectos da interação sensual.

Na trama, um casal muito apaixonado se permite viver outras fantasias – que não se sabe ser fantasia ou realidade. “Eles vivem várias possibilidades da sexualidade humana. É instigante porque o boneco permite o duplo, como um homem mexendo uma boneca feminina”, disse à reportagem o diretor Beto Andreetta.

De forma semelhante à proposta dos chilenos que trazem Otelo, o Pia Fraus usa bonecos (cuja linha estética foi desenvolvida por Beto Lima, morto em 2005) sem preocupações com a manipulação minuciosa, e sim privilegiando a interação entre o ator e o boneco. “Acho que isso gera uma comunicação mais forte”, acredita Beto.

.:. Publicado originalmente na Gazeta do Povo, Caderno G, p. 6, em 22/2/2104.

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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