Reportagem
Muita gente escolhe as peças a que vai assistir no Fringe sem olhar a “procedência” – o critério mais comum costuma ser o título. Mas a mostra paralela do Festival de Teatro revela dados interessantes sobre nossa cultural estadual.
Das 228 peças do estado na grade do Fringe, apenas 17 são de fora da capital, sendo quatro de Cascavel e três de Pinhais. Londrina, Maringá e Matinhos têm duas cada; e Palmeira, Paranaguá, Foz do Iguaçu e Toledo, uma cada.
Como comparação, o interior de São Paulo tem 35 representantes, incluindo uma mostra especial, a Ademar Guerra, financiada por projeto de incentivo ao teatro paulista da Secretaria de Cultura do estado vizinho.
Apesar de esse apoio governamental ser muito desejável, a opinião de muitos grupos e da própria direção do festival é que o empenho inicial tem de partir do artista, para chamar a atenção e depois obter apoio.
“Tem que encontrar meios de circular e fazer as pessoas verem o trabalho”, sugere Rogério Costa, ator do londrinense Núcleo Ás de Paus. Primeiro espetáculo do jovem grupo, a peça de rua A pereira da tia miséria [foto acima] é um exemplo claro de esforço que depois é recompensado. “Durante seis meses, juntamos dinheiro da passada de chapéu”, conta Rogério. O montante foi investido na vinda ao Fringe de 2011 – o investimento para quem é do interior não é baixo, envolvendo transporte, alimentação e hospedagem. A organização do festival entra com o espaço e um kit de luz e som para quem cobra bilheteria. Para grupos de rua, também há auxílio de alimentação e hospedagem.
“Durante uma das apresentações, uma pessoa do Sesc assistiu e nos convidou para um circuito pelo interior de São Paulo”, rememora Rogério. A partir daí, a carreira do espetáculo deslanchou. Houve a premiação como melhor espetáculo do ano no Gralha Azul e a seleção para o festival itinerante Palco Giratório, do Sesc, que levou os paranaenses a todas as regiões do país. Agora, veio o convite para integrar a mostra Sesi na Rua, que faz parte da mostra principal do Festival de Teatro.
Dificuldades
Essa pode ser considerada uma exceção. O que ocorre com o teatro do interior, normalmente, é encontrar bastante dificuldade na vinda a Curitiba ou a opção por nem mesmo participar do festival.
Única representante de Paranaguá neste Fringe, a Cia. Reticências decidiu investir cerca de R$ 3 mil do próprio bolso para buscar a visibilidade que a mostra curitibana traz. São dez pessoas na equipe. “Vamos levar para o público conhecer, e depois agendar um teatro em Curitiba para fazer uma temporada. Daí as pessoas vão dizer: ‘Ah, já ouvi falar nessa peça’”, explica a diretora e atriz profissional Carla Lopes. O casamento de Eduardo e Mônica estreou no ano passado em Morretes e integrou o Festival de Paranaguá com uma proposta inspirada na canção da banda Legião Urbana, mas que faz a transliteração da história do famoso casal da música.
Com a vantagem da proximidade a Curitiba, a infantil O rapto das cebolinhas, de Pinhais, se apresentará no Villa Hauer Cultural durante o Fringe. Para financiar os cerca de R$ 500 necessários para bancar alimentação e reparos de cenário, o grupo de Angélica Vitor dos Santos tentou apoio de sua prefeitura, mas até agora não recebeu resposta. “Hoje em dia é difícil alguém apoiar a cultura”, avalia.
O produtor da Mostra de Teatro Contemporâneo de Maringá Márcio Pereira conta que nunca trouxe um espetáculo ao Fringe, mas que, quando fizer isso, seguirá alguns critérios: conseguir um bom local de apresentação, fazer contato com a imprensa e tentar seduzir o público. “Então poderá ser uma boa vitrine.”
São Paulo tem 68 peças no Fringe
Segundo a organização, 68 espetáculos do Fringe vêm de São Paulo, sendo 33 da capital. O estado tem uma mostra à parte no Fringe, a Ademar Guerra, fruto de um projeto de incentivo ao teatro do interior. O Rio de Janeiro tem 27 peças no Fringe.
Festival admite que é hora de investir no estado
Para o diretor do Festival de Teatro, Leandro Knopfholz, o fato de muitos talentos do interior do Paraná já terem despontado – como os grupo londrinenses Cemitério de Automóveis e Armazém, hoje em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente – basta para um mea culpa: “Talvez seja o momento de fazer um trabalho olhando para o interior”, disse à Gazeta do Povo. Mas como? “O festival pode fazer um trabalho de embaixador: visitar as cidades e secretários de Cultura, mostrar as possibilidades que o Fringe pode oferecer. Fazer um trabalho mais de corpo a corpo.” A vantagem para a organização do evento, segundo ele, seria garantir uma diversidade e alternância desejadas na grade de espetáculos. “A troca é mais rica quanto mais gente envolvida.” Mas Knopfholz é da opinião de que os artistas precisam primeiro se organizar, para depois alcançar apoio. Como exemplo, ele cita a mostra mineira, que veio durante cinco anos ao Fringe a partir do investimento e união entre grupos. Quando deu certo, os artistas obtiveram apoio do governo mineiro. “A timidez dos paranaenses se reflete aqui [na baixa representação]. É preciso instar os governos.” O próprio festival, segundo ele, não é refratário a negociar a hospedagem e alimentação dos grupos.
.:. Publicado originalmente na Gazeta do Povo, Caderno G, p. 5, em 2/2/2104.
Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.