Reportagem
20.7.2014 | por Michele Rolim
Foto de capa: Jéssica Barbosa
Bebidas, cigarros e um cenário que beira o caos (com direito a uma cama no meio da plateia) convidam o espectador a adentrar o universo bukowskiano. Trata-se do novo trabalho do Depósito de Teatro, que completa 18 anos, Bukowski – histórias da vida subterrânea. Em cartaz até 17 de agosto, de sexta-feira a domingo, às 20h, no Teatro de Arena, em Porto Alegre.
Nascido na Alemanha pré-guerra e criado nos Estados Unidos, Charles Bukowski escreveu uma obra intensamente crítica em relação à cultura do sonho norte-americano e às boas maneiras. Considerado o último escritor “maldito” da literatura daquele país, ele faleceu em 1994, aos 74 anos. Sua obra já foi levada algumas vezes ao cinema, à TV e ao teatro.
Bukowski se notabilizou por uma literatura de caráter extremamente autobiográfico. Portanto, no espetáculo estão fragmentos da obra do escritor norte-americano, ao mesmo tempo em que surgem fatos da sua vida, já que a construção de sua obra literária foi realizada a partir de uma trajetória de ressacas, dinheiro perdido em corridas de cavalo e sexo. “Obra e vida do autor andam juntas obrigatoriamente”, afirma Roberto Oliveira.
Oliveira assina a direção e a adaptação do espetáculo, além de interpretar o escritor – o autor também já foi vivido nos palcos gaúchos por Zé Adão Barbosa em 1988. Fã de Bukowski, Oliveira comenta que a montagem era um projeto antigo, de mais de 20 anos. Ele conheceu a literatura do Velho Safado – como Bukowski é também chamado -, ainda na adolescência e, de lá para cá, não parou mais. Tanto que, em sua casa, há exemplares de todos os textos do escritor. “A literatura dele é de fácil compreensão, carregada de humor e sexo, com alguma pitada de violência e escândalo, ao mesmo tempo em que tem uma profundidade que nos leva a pensar sobre o absurdo da vida e da sociedade. Isso tudo sem abandonar a simplicidade”, comenta o diretor.
A encenação foi construída de forma fragmentada, não linear, e busca enfatizar fatos importantes na vida do escritor, revelando de forma teatral aspectos presentes no seu cotidiano. Mostra, por exemplo, os 14 anos de trabalho ininterrupto nos correios de Los Angeles, sua infância e relação conturbada com o pai violento, que era soldado, leituras que realizava em universidades e sua relação com as mulheres, revelando um autor que mais escrevia sobre sexo do que fazia. As principais obras utilizadas no espetáculo são Mulheres, Misto quente e Cartas na rua, entre outras.
Em cena estão quatro mulheres. “Colocamos na montagem os grandes amores do autor. Elas representam o universo das amantes de Bukowski”, conta o diretor. São elas: Jane (interpretada por Pitti Sgarbi), sua primeira mulher, 10 anos mais velha que ele. Linda King (chamada na peça de Lidia e interpretada por Elisa Heidrich), escultora que preparava um busto de Bukowski e que ensinou ele, aos 50 anos, a praticar sexo oral. Pamela (Tami na peça, interpretada por Aline Armani Picetti), uma mulher jovem, que não dá muita bola para o escritor. Há, ainda, Giorgia (Francine Kliemann), uma referência forte para Bukowski, principalmente quando ele não estava bem. Também surge em cena seu amigo Jimmy (interpretado por Marcelo Johann), um ladrãozinho do conto Hospício logo a leste de Holywood, que está no livro Fabulário geral do delírio cotidiano.
Além disso, o espetáculo exibe ainda outras facetas dele. Rotulado como machista por alguns, a peça revela um Bukowski mais sensível, a partir de seus poemas. “A obra em prosa dele é muito machista. Na poesia, está o outro lado do autor”, enfatiza Oliveira. O projeto foi contemplado com o Prêmio de Incentivo à Pesquisa em Artes Cênicas do Teatro de Arena, o qual seleciona grupos para ocuparem o espaço durante um semestre. As companhias, além de poderem ensaiar no teatro, recebem o valor de R$ 45 mil para a realização do projeto.
.:. Texto originalmente publicado no Jornal do Comércio, caderno Panorama, pág. 1, em 15/7/2014.
Onde: Teatro de Arena (Avenida Borges de Medeiros, 835, Centro, Porto Alegre, tel. 51 3226-0242)
Quando: Sábado e domingo, às 20h. Até 17/8.
Quanto: R$ 10 a R$ 30.
Ficha técnica:
Adaptação e direção: Roberto Salerno de Oliveira
Com: Roberto Oliveira, Elisa Heidrich, Marcelo Johann, Francine Kliemann, Pitti Sgarbi e Aline Armani Picetti
Iluminação: Fabiana Santos
Trilha sonora: Arthur de Faria
Produção executiva: Joice Rossato
Assistente de direção: Isandria Fermiano
Assessoria de comunicação: Liane Strapazzon
Produção geral: Depósito de Teatro
Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).