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Reportagem

Lugares do lixo, do poder e dos gigantes de vime

7.4.2015  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Jean Pierre Estoumet

Com atores saindo de um contêiner em frente ao Palácio Piratini, a companhia francesa Kumulus (formada em 1986) apresenta Silêncio ensurdecedor dentro da programação do Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre. A montagem, considerada pelo coordenador do festival o grande destaque em termos artísticos, ocorre hoje e amanhã (7 e 8/4), às 17h.

Segundo o diretor da peça, Barthelemy Bompard, o espetáculo aborda o consumismo exagerado na sociedade capitalista e suas consequências, como a poluição do planeta. A encenação não utiliza falas – há apenas a sonoridade que os atores tiram dos objetos presentes no cenário, que são o “lixo” que sai do contêiner junto com eles. “Os assuntos que abordamos em nossos espetáculos são universais, dizem respeito a todos os habitantes do planeta”, afirma Bompar, que completa, lamentando: “As grandes indústrias só têm uma visão a curto prazo e não dão importância para o amanhã. Não pensam sobre o que deixaremos para nossos filhos. Querem enriquecer sempre mais, explorando cada vez mais o ser humano.”

A proposta artística da montagem vai ao encontro do eixo conceitual do festival, que dá destaque aos trabalhos criados de acordo com o ambiente, transformando ou incorporando o espaço à obra. “Ela trabalha muito a questão da degradação. Estamos juntos do lixo, misturados, e por isso, ocorre simbolicamente em frente ao Palácio Piratini, junto à Praça da Matriz, onde estão os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além da representação da religião e da cultura. O diálogo que se dá é o de conteúdo desse espetáculo com aquele espaço físico da apresentação”, comenta Alexandre Vargas, coordenador do festival.

O grupo é conhecido por trabalhar a relação com o urbanismo das cidades e seus cidadãos inspirado na realidade da sociedade. Estar na rua, para eles, é uma opção política. “A cultura deve ser acessível a todos sem a barreira financeira. É por essa razão que queremos que os espetáculos sejam gratuitos para os espectadores e acessíveis a todos. Entre os espectadores, há pessoas que vão nos assistir e há também aquelas que estão lá por acaso. Nós pretendemos perturbar o cotidiano, interpelar as pessoas, lhes questionar”, diz o diretor da companhia francesa.

As duas participações internacionais do festival são francesas, país com tradição nas manifestações cênicas de rua, tanto que, depois do cinema, a arte de rua é o gênero que reúne o maior número de franceses.

Criação de BeNoit com Cie. L'Homme Debout, Divulgação

Criação de BeNoit com Cie. L’Homme Debout

O outro grupo é L’Homme Debout, uma das mais promissoras companhias da nação europeia em atividade desde 2000. Eles apresentam o espetáculo Vénus. O grupo trabalha com as construções nômades de vime, de BeNoit Mousserion. Durante anos, o artista viajou pela França propondo que fossem criadas obras públicas com a participação dos moradores das cidades e que, depois, cada obra ficasse no município, mas isso não deu muito certo. Foi então que BeNoit fez do projeto um espetáculo. A ideia agora é construir bonecos gigantes contando com artistas locais.

Para isso, ocorre uma oficina que começa amanhã (8/4) com a participação de atores, estudantes, bailarinos e performers que foram selecionados. Durante três dias, eles vão trabalhar ao lado dos atores da Cia. L’Homme Debout para dar forma a uma boneca. Os oficinandos serão coautores deste projeto contribuindo com suas histórias, mãos e desejos. O resultado do trabalho será visto pelo público no sábado (11/4), às 18h30, na Orla do Guaíba, e domingo, às 17h30, no Brique da Redenção.

Vargas enfatiza a importância da participação de grupos internacionais, lembrando que desde 2013 o Festival de Teatro de Rua aposta na internacionalização. “Eles são importantes dentro de um festival tanto no sentido de conseguir mais recursos financeiros – pois atraem mais investidores – quanto para estimular a percepção do público. As manifestações cênicas de rua não são somente o convencional que estamos acostumados a ver; as possibilidades da rua são infinitas e podem demandar mais recursos que uma sala de teatro”, completa o coordenador do evento.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 7/4/2015.

Serviço:
Silêncio ensurdecedor, com Cie. Kumulus (França)
Quando: 7 e 8/4, às 17h
Quanto: grátis
Onde: Rua Duque de Caxias – Praça da Matriz
Vénus, com Cie. L’Homme Debout (França)
Quando: 1/4, sáb., às 18h30, na Orla do Guaíba; e dia 12/4, dom., às 17h30, no Brique da Redenção
Quanto: grátis

.:. Mais informações sobre a programação do Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre, aqui.

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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