Crítica
Em nome do pai une dois olhares provocadores: bebe da tragédia edipiana e pinça contextos e conflitos da obra rodriguiana para falar da relação problemática entre pai e filho. O texto de Alcione Araújo (1945-2012) é marcado por ironias, sarcasmos e angústias.
Em cartaz até 31 de maio no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do RioMar Shopping, no Recife, uma montagem dirigida por Cira Ramos resgata a obra do autor mineiro. A encenação é comprometida pelo labirinto de confissões e emoções proposto pelo texto denso.
A morte da mãe mexe com uma casa cuja relação pai e filho era mediada pela mulher. Os dois, enlutados, têm de, após o enterro da matriarca, recriar um convívio esfarelado por sentimentos destoantes e utópicos. Amor é palavra difícil de ser pensada, dita e sentida (ou pelo menos externada) entre aqueles dois homens.
A dramaturgia de Alcione dá conta de revelar o passado através de uma discussão de relação entre ambos. E é justamente esse passado que revela o presente e projeta o futuro surpreendente.
Os atores Jorge de Paula e Samuel Lira vivem as personagens de intensa carga emocional. As confissões não reveladas e veladas por anos transformaram-se para aqueles homens e uma barreira indestrutível e dolorosa. A tensão vivida por pai e filho requer dos atores uma emoção não alcançada pelos intérpretes em sua totalidade.
Alcione Araújo bebe da tragédia edipiana e pinça contextos e conflitos da obra rodriguiana para falar da relação problemática entre pai e filho
A emoção desenhada pelos texto de Alcione se perde na montagem uma vez que a ironia do autor não consegue ser traduzida nas cenas. O humor proposto pela direção ganha mais força do que a emoção predominante naquela história – comprometendo, principalmente, o desfecho revelador.
Jorge de Paula, que vive o pai, cria a personagem mais velha de maneira convincente, sublinhada por uma postura corporal curva, voz potente e gestos comedidos. Perde-se apenas quando o humor lhe é acionado, mas volta ao eixo quando é preciso a emoção. Samuel, que faz o filho, por outro lado, se esforça muito para alcançar a interpretação do colega de cena e parece não sentir o texto dito.
O ritmo dado à montagem é rápido. A cenografia de Marcondes Lima é um acessório que auxilia nesta agilidade, situando a narrativa na sala da casa da família e achando artifícios com os objetos no palco para que eles mesmo se transformem conforme o necessário – como a cadeira que vira mala e o jardim que se torna passarela. Soma-se ainda a iluminação de Dado Soddi, que destaca as falas e emotividade.
.:. Publicado originalmente no blog Terceiro Ato, do Jornal do Commercio, em 15/05/2015.
Ficha técnica:
Texto: Alcione Araújo
Encenação: Cira Ramos
Com: Jorge de Paula e Samuel Lira
Preparação de atores e assistência de direção: Sandra Possani
Direção de arte: Marcondes Lima
Trilha sonora e direção musical: Fernando Lobo
Músicos: Edson Rodrigues (sax) e Fábio Valois (teclado)
Preparação vocal: Leila Freitas
Desenho de luz e execução: Dado Soddi
Assistente e produção de figurino: Natascha Lux
Cenotécnicos: Hemerson Cavalcante e Henrique Celibi
Programação visual e registro fotográfico: Zé Barbosa
Produção executiva: Karla Martins e Alexandre Sampaio
Produção geral: Cira Ramos, Fernando Lobo e Ofir Figueiredo
Direção de produção e elaboração de projeto: Cira Ramos e Karla Martins (Decanter Articulações Culturais)
Realização: REC Produtores Associados
Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).