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Crítica

Mocinhos e bandidos da mesma raiz

5.6.2015  |  por Gabriela Mellão

Foto de capa: Ronaldo Gutierrez

Sete gangsters estão cercados pela polícia. Protagonistas de Esplêndidos, peça considerada por Sartre a obra-prima de Jean Genet, eles surpreendem ao surgirem em cena como legítimos cavalheiros.

Na encenação concebida por Eduardo Tolentino, que comemora os 50 anos do Teatro Aliança Francesa e pode ser vista até meados de julho na cidade, eles vestem smoking, pregam polidez e dançam tango lindamente, com os demais companheiros de bandidagem, lustrando os sapatos nas calças de seus parceiros.

O charme característico aos fora da lei ganha, portanto, atributos extras nas mãos do diretor do Grupo Tapa. O habitat no qual se encontram também contribui para a composição de um quadro sedutor. Os gangsters estão no sétimo andar de um hotel de luxo, representado por um palco limpo ornamentado por cinco cortinas de veludo vermelho e um lustre de cristal.

O policial mantido como refém, juntamente com a filha de um milionário americano, não resiste. Troca ordem por bandidagem em cena. Segundo diz, sob o belo pendente de luz, cansou de viver à sombra dos gangsters: “Para nós, nada de belas manchetes nos jornais, nada de fotos, nada de poemas para cantar os nossos feitos”, lamenta-se.

Fora da lei também revela invejar tira nesta peça festejada por Sartre e renegada por seu autor – o texto escrito em 1948 foi destruído por Genet e graças a seu editor, que conservou um original, estreou em 1993, na Alemanha.

É contundente e bastante atual a reflexão proposta, de que mocinhos e bandidos crescem de uma mesma raiz. Tal raciocínio é desenvolvido pelo autor francês de forma vigorosa, sem didatismo ou detrimento poético.

Genet sugere como a maior ambição do ser humano a fome pelo diferente. Ao mesmo tempo, parece rir da fraqueza humana

Tolentino acerta ao jogar luz nesta obra rara, e pouco conhecida no país. O texto recebeu uma única montagem no Brasil, em 2001, sob direção de Daniel Herz. A única problemática fica por conta da irregularidade do elenco. Com exceção de Sergio Mastropasqua, integrante do Grupo Tapa há anos, o palco reúne sete atores que compõem a nova geração da companhia. Em sua maioria, os intérpretes jovens e belos dão conta de vestir o smoking, mas não a alma dos personagens.

Genet coloca em primeiro plano um crime. Entretanto, o que realmente está em questão são temas recorrentes em sua obra, como desejo, marginalidade, misoginia e homossexualidade. Neste cenário impregnado de testosterona, a presença do feminino é desestabilizadora, mesmo aparecendo de modo metafórico. Quando um bandido se traveste de mulher fingindo aos policiais – que cercam o edifício – ser a filha morta do milionário, o conflito se instaura.

O desejo de ser outro aparece em diversas camadas, além da apontada pelo travestimento. Genet sugere como a maior ambição do ser humano a fome pelo diferente. Ao mesmo tempo, parece rir da fraqueza humana ao evidenciar que tal apetite só sobrevive enquanto reside no terreno do desconhecido. “Quando chego entre vocês, me vejo no meio da covardia, da fraqueza, do falso luxo”, entoa o policial aos seus novos companheiros de crime.

A utopia só se mantém na ilusão. No terreno do real, ela estilhaça.

Serviço:
Onde: Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim, 182, Vila Buarque, São Paulo, tel. 11 3017 5699)
Quando : Quinta a sábado, às 20h30; domingo, às 19h. Até 12/7
Quanto: R$ 20

Em sua maioria, o jovem elenco dá conta de vestir o smoking, mas não a alma dos personagens Ronaldo Gutierrez

Em sua maioria, elenco veste o smoking, mas não a alma dos personagens

Ficha técnica:
Texto: Jean Genet
Direção: Eduardo Tolentino de Araújo
Com: Adriano Bedin, André Luiz Rossi, Bruno Barchesi, Cesar Baccan, Fernando Rocha, Julio Mancini, Michel Waisman e Sergio Mastropasqua
Cenário e figurinos: Marcela Donato
Iluminação: Nelson Ferreira
Preparação corporal (tango): Ronaldo Gutierrez
Fotografia: Ronaldo Gutierrez
Assesoria de imprensa: Fabio Camara
Produção geral: Cesar Baccan

Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue. Compõe o júri do prêmio APCA de teatro. É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.

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