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Reportagem

A tradição da Escola Noh de Kanze

30.9.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Escola Noh de Kanze/Divulgação

Curitiba terá a rara oportunidade de conhecer o tradicional teatro noh na próxima Semana da Cultura Clássica Japonesa, como parte das comemorações dos 120 anos de relações diplomáticas entre Brasil e Japão. O grupo Escola Noh de Kanze, de Tóquio, com o mestre Takayuki Kizuki, se apresenta dias 8 e 9 de outubro, no Guairinha.

Os 18 músicos, cantores e atores trazem sua técnica centenária, figurinos, máscaras, instrumentos antigos e até o formato do palco, que é rigorosamente exigido pela convenção do noh. Nele, os artistas, todos homens, se movem lentamente em vestes suntuosas, numa dança também simbólica ao som do lamento e de tambores de som agudo e flauta.

Até hoje, a cidade havia recebido apenas o kyogen, o estilo noh cômico. Agora, o Kanze traz um repertório completo, composto por dois dramas intercalados por um kyogen.

A duração total é de duas horas e meia, com um intervalo, o que é um período bastante reduzido em relação aos espetáculos no Japão, que duram cinco horas.

A primeira peça será Hagoromo, que significa “manto de plumas” e é uma das narrativas mais encenadas por grupos de noh. A autoria é atribuída ao escritor Zeami (1363-1443), um dos fundadores do gênero.

A peça ‘Hagoromo’ combina elementos de dança, drama, música e poesia e traz uma profunda reflexão sobre o cumprimento de acordos

Na trama, o pescador Hakurijo encontra a ninfa dos céus Tennin. Ela desce para um banho aos pés do monte Fuji, deixando seu manto numa árvore. Quando encontra o artigo tão sublime, o pescador decide guardá-lo como relíquia familiar, mas logo é interpelado por Tennin. Ela chora pedindo o manto, sem o qual não pode retornar ao céu. Ele pede então que ela dance para ele, e ela aceita, mas pede o manto primeiro. Quando ele desconfia e diz que, se entregar o artigo, ela partirá sem dançar, a ninfa sentencia: somente na Terra existe a mentira. Envergonhado, Hakurijo entrega o manto e assiste à dança maravilhosa enquanto o ser alado vai embora lentamente.

“A peça combina elementos de dança, drama, música e poesia e traz uma profunda reflexão sobre o cumprimento de acordos”, explica a professora de japonês do Celin (UFPR), Laura Tamaru. O texto japonês foi alvo de uma releitura pelo poeta Haroldo de Campos em 1993.

Servindo como uma pausa para a emoção, a peça de kyogen entra então com seu estilo bem diferente: não há máscaras nem acompanhamento musical e as roupas são simples. Kombu-uri, ou “o vendedor de algas”, é uma farsa sobre o encontro de um samurai arrogante com um homem do povo muito esperto. Nas expressões faciais, gestos rápidos e no tom de voz, fica explícita a sátira.

Preguiçoso, o shogun não quer levar sua pesada arma, e ameaça matar o vendedor de algas caras, um produto caro típico de Wakasa, se ele não a carregar para ele. O homem então aceita e tenta equilibrar sua carga junto com a espada, o que faz desajeitadamente. Quando o samurai decide segurar a alga, invertem-se os papéis, e o vendedor passa a ameaçar o nobre: que ele saia vendendo o produto, cante e dance para fazer propaganda. Enfim: faz do arrogante gato e sapato.

O terceiro ato do espetáculo retorna ao drama com a história de um espírito de aranha que faz adoecer um regente do imperador. Tsuchigumo também é um clássico do noh e alude ao tema frequente na cultura japonesa da influência dos espíritos bons ou maus.

Um dos cenários de peça noh, dirigida por Takayuki KizukiEscola Noh de Kanze/Divulgação

Um dos cenários de peça noh, dirigida por Takayuki Kizuki

Surgimento:
O teatro noh surgiu há 600 anos, baseado em refinamento e simbolismo extremo. Ainda no século 14, o escritor Kan’ami e seu filho Zeami criaram um terço das 240 peças existentes hoje.

Estilo:
A declamação típica é chamada de “utai”. Músicos acompanham a encenação, ao fundo do palco, com instrumentos de sopro e percussão.

Palco:
Feito de bambu, tem ao fundo como cenário um pinheiro estilizado – ainda que a peça se desenrole no mar, num palácio ou numa praia enluarada. O palco tem ainda uma comprida passarela ao longo da qual estão três pinheiros de diferentes alturas, criando ilusão de perspectiva. Em outra extensão do palco fica o coro, sentado em duas fileiras. O palco se estende para dentro da plateia , coberto por um telhado.

Música:
A flauta de bambu é o único instrumento a produzir melodia, e três tambores diferentes marcam o ritmo.

Atores:
O protagonista é denominado “shite” , e sempre representa um fantasma, espírito bom ou mau, uma criatura animal ou sobrenatural. Em geral, usa máscara. O “waki” e o “waki- zure” são personagens secundários. Por vezes aparecem atores infantis.

Kyogen:
É o lado cômico do noh, tendo surgido paralelamente ao estilo dramático. Normalmente, é apresentado entre dois dramas.

Estilo:
É uma farsa de mímica para fazer rir, calcada no diálogo. Algumas peças são apenas “felizes”; outras, usam frases humorísticas, e há ainda a sátira. Algumas falam do isolamento e solidão humanos, com uma característica tragicômica. Raramente os atores usam máscaras.

.:. Publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, Caderno G, p. 1, em 21/9/2015.

Serviço:
Onde: Teatro Guairinha (Rua XV de Novembro, 71, Centro, Curitiba, tel. 41 3304-7982)
Quando: Somente quinta e sexta, dias 8 e 9/10, às 20h30. Serão oferecidas palestras de duas horas (das 14h às 16h) nos dias de apresentação, com explicações sobre o gênero e espaço para perguntas
Quanto: R$ 60

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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