Crítica
No seu aniversário de 4 anos, Karen Radde (hoje com 42 anos) disse: “Meu pai um dia irá morrer, mas com o Teatro Novo isso nunca vai acontecer, porque vou continuar cuidando dele”. Desde então, 38 anos se passaram e, tal qual um vaticínio, a promessa de Karen se cumpriu: agora seu pai, Ronald Radde, criador de uma das mais importantes companhias gaúchas, a Cia. Teatro Novo, se prepara para repassar a direção dos espetáculos para a filha – e em vida.
A ideia começou há dois anos e ganhou força nos últimos meses. Portador de uma síndrome rara – a doença de Guillain Barré, uma descoberta recente -, Radde viu-se obrigar a acelerar o processo de mudança de gestão. Ainda internado, o diretor e dramaturgo tem se recuperado lentamente e deve sair do hospital no início de janeiro.
O diretor Ronald Radde, a mulher Ellen e a filha Karen são os pilares da companhia gaúcha que tem ‘casa própria’ desde 2001 e completa 50 anos em 2018
Radde garante que a filha está mais do que preparada para a tarefa. “A Karen cresceu dentro da companhia. Ela está pronta para dar continuidade à nossa história. Vêm ideias novas, mas os conceitos devem seguir iguais”, completa o criador que possui no currículo cerca de 60 peças teatrais criadas ou dirigidas por ele (20 adultas e 40 infantis).
Neste ano, Radde teve sua trajetória registrada em livro escrito pelo jornalista e crítico do Jornal do Comércio, Antonio Hohlfeldt. Intitulada Ronald Radde: o perseguidor de sonhos, a publicação relata a luta do diretor contra o regime militar e a criação de peças como Apaga a luz e faz de conta que estamos bêbados, B… em cadeira de rodas e Transe, textos ainda hoje montados Brasil afora.
Na nova fase, o primeiro trabalho de Karen Radde será o musical A dama e o vagabundo em Paris, com previsão de estreia para o primeiro semestre de 2016. “Haverá uma renovação, o que é natural, pois sou outra pessoa, mas não tenho ambição de mudar a equipe, que segue a mesma. Não estreio sem ele assistir e dizer que está bom”, avisa a filha, orgulhosa da trajetória do pai.
Karen participa do cotidiano da companhia há cerca de 20 anos, desempenhando papéis de atriz, produtora executiva, professora da Escola Teatro Novo e assistência de direção – inclusive já dirigiu um espetáculo, A caravana da fantasia conta: o Patinho feio. Mas concorda que é o momento de alçar novos voos. “Quando interpretei Pinóquio, considero que foi a minha despedida, me senti completa como atriz. Vamos continuar? Vamos, mas já estava com ambição para partir para um outro momento da minha história”, explica.
Já Ellen D’Ávila, esposa de Radde, está no grupo há dez anos, atuando na produção. Os três (Radde, Karen e Ellen) são os pilares da companhia, que deu um grande passo em 2001 com a aquisição da “casa própria”, um sonho de muitos artistas: ter seu teatro próprio.
Com sede no Teatro Novo DC – Sala Carmen Silva, a companhia tem uma plateia cativa, composta, principalmente, por pais e filhos, uma vez que o teatro infantil se destaca na programação, com remontagem de clássicos, além do projeto “A escola vai ao teatro”, que ocorre desde 1975, com uma média atual de 50 mil espectadores por ano. Apesar de estar tranquilo com a “passagem de bastão”, Radde pretende escrever mais peças, além de permanecer na direção-geral do grupo e na direção administrativa do Teatro Novo DC. Durante o tempo que ficou sem poder nem ao menos falar, Radde escreveu mentalmente dois romances e um roteiro para o cinema.
São projetos que pretende lançar em 2016. “Sou muito privilegiado, fiz tudo que eu tinha vontade, alcancei todos os resultados que queria e ainda pretendo continuar”, avisa ele, que completa: “Nos 50 anos da companhia quero dirigir um espetáculo, disso não abro mão”, avisa o incansável Radde. É aguardar 2018 para ver.
.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 28/12/2015.
Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).