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Artigo

Vaga para o posto de Eugenio Barba

16.4.2019  |  por Teatrojornal

Foto de capa: Francesco Galli

O anúncio de que o italiano Eugenio Barba vai deixar a direção do Nordisk Teaterlaboratorium surpreendeu a comunidade internacional do teatro no fim de março. Sediado em Holstebro, cidade do noroeste da Dinamarca, o organismo mantenedor das atividades do grupo Odin Teatret e demais projetos artístico-culturais abriu um processo público para selecionar o futuro homem ou mulher que vai assumir o leme a partir de 1º de janeiro de 2021.

Como pré-requisitos para a vaga, estão a capacidade de conciliar visões regional e internacional sem perder as raízes que nortearam o teatro laboratório desde a década de 1960. O Odin Teatret soma 54 anos de trabalho e teve sua origem em Oslo, capital norueguesa, em outubro de 1964, migrando para a Dinamarca em 1966. Atualmente, seus cerca de 40 membros, nas mais distintas funções, compreendem 11 nacionalidades e quatro continentes.

Além de considerar a vocação tradicional para o experimento e a pedagogia de viés antropológico, presume-se “a responsabilidade geral de gerenciar uma cultura organizacional caracterizada pela interdisciplinaridade, pela diversidade cultural e pelo grande comprometimento da equipe com esse fluxo, conforme desenvolvido ao longo de muitos anos”.

Isso deverá ser feito em estreita colaboração com a coordenadora artística do espaço, a atriz e diretora Julia Varley, bem como com toda a equipe de teatro e o conselho de diretores.

Nosso ofício possui uma dimensão cujo valor é imponderável, mas que deixa rastros profundos: a qualidade das relações, o desenvolvimento de uma microcultura, uma prática de laboratório social em contínua investigação, uma obstinação cotidiana que é um compromisso espiritual e político, a capacidade de nutrir uma resiliência contra a rotina implacável e o espírito do tempo

Eugenio Barba, diretor do Odin Teatret

Para motivar as inscrições das pessoas que desejam figurar entre as pré-escolhidas para a entrevista presencial, em agosto, a instituição sugere levar em conta as seguintes perguntas:

“Como você se relaciona com a prática do Nordisk Teaterlaboratorium – Odin Teatret, um teatro baseado em laboratório? Como você vê o futuro desenvolvimento do perfil artístico do Nordisk Teaterlaboratorium – Odin Teatret? Como você se relaciona com as interfaces local, nacional e internacional? Você pode citar um ou mais exemplos de teatros ou outras organizações que o inspiram como líder?”.

A prática e o pensamento de Barba junto ao Odin Teatret influenciaram grupos latino-americanos como o Yuyachkani, do Peru, o La Candelária, da Colômbia, e o Lume Teatro, do Brasil.

Dentre as premissas para os candidatos estão a disponibilidade para morar em Holstebro, onde vivem cerca de 58 mil habitantes, e dominar a língua dinamarquesa ou ter ganas de aprendê-la nos primeiros dois anos de trabalho. Leia mais detalhes a respeito do emprego no site do município de Holstebro. As inscrições online vão até 3 de junho.

No artigo a seguir, publicado no site do Nordisk Teaterlaboratorium, o diretor Eugenio Barba, de 82 anos, expõe as razões para a decisão. Sua experiência, em alguma medida, nos faz pensar em como se dão, ou não se dão, as transições de diretores e diretoras que trabalharam décadas adentro no contexto das artes cênicas brasileiras.

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EUGENIO BARBA

Em 31 de dezembro de 2020 deixarei definitivamente minha posição de diretor do Nordisk Teaterlaboratorium em Holstebro. O cargo de coordenador artístico será assumido por Julia Varley e, a partir de 1º de janeiro de 2021, a responsabilidade geral estará nas mãos de um novo diretor que será escolhido pelo conselho administrativo.

Em 1964 éramos cinco, eu e quatro jovens rechaçados pela Escola Estadual de Teatro de Oslo, na Noruega. Entre eles, Torgeir Wethal e Else Marie Laukvik que permaneceram ao meu lado. Fundamos uma empresa e dividimos as ações entre nós porque a terra pertence a quem a trabalha. Demos ao nosso teatro o nome de um deus nórdico, Odin, que libera suas forças obscuras para destruir ou trazer conhecimento. Éramos um pequeno grupo amador curioso e ingênuo. Amávamos viajar no reino dos mortos – a história do teatro. Estávamos convencidos de que, para realizar o teatro que desejávamos, deveríamos pagar de nosso próprio bolso. Em silêncio, com o rigor de monges, demos os primeiros passos como autodidatas em direção a um conhecimento que também foi a conquista de nossa diferença.

Em 1966 nosso grupo se transferiu a Holstebro, Dinamarca. Seus políticos acolheram esses jovens e desconhecidos atores estrangeiros e – como uma exceção na história da Europa – continuaram apoiando-os, geração após geração, ainda que nos primeiros anos a população tenha se mostrado hostil quanto à nossa forma estranha de fazer teatro. Holstebro se converteu em nossa pátria: aqui nasceram nossos filhos, aqui estão sepultados alguns de nós, aqui cresceram nossas asas.

Roald Pay O diretor polonês Jerzy Grotowski e o amigo italiano Eugenio Barba em Holstebro, 1971

Com os anos nos transformamos no Nordisk Teaterlaboratorium, um ambiente internacional de iniciativas no campo da técnica do ator e do uso do ofício na comunidade. O teatro não pode ser reduzido a um espetáculo que se compra com um ingresso. Nosso ofício possui uma dimensão cujo valor é imponderável, mas que deixa rastros profundos: a qualidade das relações, o desenvolvimento de uma microcultura, uma prática de laboratório social em contínua investigação, uma obstinação cotidiana que é um compromisso espiritual e político, a capacidade de nutrir uma resiliência contra a rotina implacável e o espírito do tempo.

Nosso laboratório abriu caminho a numerosas atividades: espetáculos em espaços não convencionais e na rua, pedagogia alternativa e pesquisa pura, estudos sociológicos, publicações de revistas e livros, produção de filmes, encontros e intercâmbios regulares com grupos teatrais de todo o mundo, colaboração com mestres de tradições asiáticas e latino-americanas, e da cultura afro-brasileira. Nossos atores se tornaram diretores, guias de gerações, forjadores de aventuras: The Bridge of Winds, de Iben Nagel Rasmussen; Transit Festival e o Magdalena Project de Julia Varley e outras mulheres na profissão; o Odin Week Festival de Roberta Carreri; o Laboratory Village de Kai Bredholt e Per Kap Jensen; a ISTA – International School of Theatre Anthropology; os Archivos vivos do Odin Teatret; a prática do teatro como troca cultural; a Festuge – semana festiva – que teatraliza e revela a  variedade das subculturas de Holstebro; entre outras ações.

Hoje, o Nordisk Teaterlaboratorium está profundamente radicado na história e nos desafios atuais de Holstebro. Seu ambiente compreende diversos grupos independentes dirigidos por artistas de teatro, estudiosos e empreendedores que se enquadram na mentalidade e no modo de proceder do “laboratório”: explorar, através da arte do ator, novas relações e condições para que o imprevisto possa acontecer.

Chegou a hora de entregar o comando, a responsabilidade e o peso das 101 decisões diárias àqueles que irão manter viva a essência que eu e meus companheiros destilamos durante esses 56 anos. Fui diretor de um teatro que quis intervir na realidade que o circundava. Segui a estratégia dos círculos na água. Lancei uma pedra que sabia como e onde atirar. Os círculos se alargam, movem coisas que estão próximas, produzem minúsculas correntes invisíveis. Mas eu, que atirei a pedra, não posso nem pretendo determinar o futuro dessas correntes.

Como uma nuvem, continuo minha viagem. Estou ensaiando dois espetáculos novos com meus atores do Odin. Continuarei me encontrando com grupos do Terceiro Teatro. Não irei interromper minhas pesquisas sobre a transição do espaço interior do ator até seu primeiro gesto perceptível no espaço compartilhado com o espectador.

Não tenho herdeiros, nem tenho um legado para deixar. Meu ensinamento não se transmite e nem se extingue. Evapora-se. E cai como chuva na cabeça de quem menos o espera.

.:. Visite o site do Odin Teatret

Rina Skeel Barba durante um dos ensaios para um novo espetáculo do Odin Teatret, em 2016

Pela equipe do site Teatrojornal - Leituras de Cena.

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