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“Atriz faz em cena retrato do pai quando prisioneiro de guerra"

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“Atriz faz em cena retrato do pai quando prisioneiro de guerra"

Folha de S.Paulo

São Paulo, quarta-feira, 13 de outubro de 2004

TEATRO 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Certa noite, o comerciante Majer Jesion, judeu de ascendência polonesa, acompanhou a filha adolescente até o teatro da Hebraica, em São Paulo.

Eles assistiam a uma apresentação da peça “Bent”, do americano Martin Sherman, quando veio a cena dos presos que removiam pedras de um canto para o outro num campo de concentração.

“Esse era o meu “trabalho” lá”, disse Jesion, emocionado. A filha Renata tinha 11 anos.

Mais de duas décadas depois, no apartamento do bairro do Paraíso, pai e filha dividem lembranças com o repórter para alavancar outras ainda mais distantes, vividas pelo hoje aposentado Jesion, 80, prisioneiro de guerra que sobreviveu na Alemanha de 1940 a 1945, Segunda Guerra.

As agruras do período são pinceladas num “pequeno épico de estações”, como a autora define a peça “121.023J”, escrita a partir de entrevistas com o pai.

Renata, que já trabalhou com Antunes Filho, Gerald Thomas e Dionisio Neto e está no filme “Olga”, convidou Ariela Goldmann para a direção. Vai contracenar com Zemanuel Piñero e Mauro Schames. A temporada estréia hoje no Sesc Ipiranga.
O título embaralha os meses de nascimentos de Jesion e da autora, somados à inicial do sobrenome, mas poderia ser o “143.062” tatuado no braço esquerdo dele. O comerciante morava em Gostynin, a 120 km de Varsóvia, na Polônia. Tinha 17 anos quando um dia saiu de casa para comprar pão e nunca mais voltou: foi detido e deportado para a Alemanha.

Jesion passou por quatro campos de concentração. Sofreu os piores momentos no de Birkenau, em Auschwitz. Transportado para outra realidade, ele teve no pão escasso o alimento que o mantinha em pé; e numa desconhecida voz que o “acompanhava”, a sua principal interlocutora no “jogo da sobrevivência”.

Renata, 31, apreende a história do pai sob perspectiva “leve, picaresca”. “Não é uma peça para sensibilizar a colônia judaica. Quero universalizá-la”, diz a caçula que sonha ainda com versão para documentário (“As Manhãs de Majer”, roteiro pronto).

Um bom retrato seria o do homem que se diz habituado a “começar do zero”. Há quatro anos, Jesion foi operado no coração. Nada, talvez, se comparado a dois momentos de risco citados na peça, nos últimos dias como prisioneiro dos nazistas.

Quando já tinha sido acolhido pela Cruz Vermelha, eis que Jesion deparou com soldados da Juventude Hitlerista. Foi conduzido a um delegado anti-semita. Perguntado se era judeu, disse que sim. Levou um tapa do delegado, que incumbiu um soldado de lhe dar um fim. “Eu sobrevivi até agora. Se tiver que me matar, não atire pelas costas”, pediu Jesion ao soldado que o mandara caminhar. “Leb wohl”, ordenou-lhe o soldado, em alemão, algo como “adeus”, “vá, se manda”.

E assim fez Majer Jesion. Depois da guerra, ele deambulou mais alguns anos pela Alemanha. Chegou ao Brasil em 1949, atendendo ao chamado de uma tia. Era Carnaval no Rio de Janeiro. “Puxa, saí do inferno diretamente para o hospício”, brincou.
Logo mais à noite, a dois dias de completar 81 anos, assistirá ao espetáculo ao lado da mulher, Jamile. “A vida tem sido muito boa, não posso me queixar.” 



121.023J. 
Onde: Sesc Ipiranga – teatro (r. Bom Pastor, 822, tel. 0/xx/11/3340-2000). Quando: estréia hoje, às 21h; quartas-feiras deste mês (13, 20 e 27/10); quintas do próximo (4, 11, 18 e 25/11); e dia 1º/12 (qua.), sempre às 21h. Quanto: entrada franca.