28.3.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006
TEATRO
Mostra alternativa do festival, que terminou anteontem, teve 192 peças; artistas e público pedem mais organização e qualidade
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Curitiba
A cena é conhecida dos últimos finais de março: a maioria dos artistas volta frustrada para casa, o público idem. Neste ano, porém, o feirão de espetáculos do Fringe, mostra alternativa do Festival de Teatro de Curitiba, que terminou anteontem, parece, enfim, ter encarado a crise de seu formato.
O número de peças cresce a cada ano na mesma proporção dos problemas enfrentados por artistas e público. Aqueles, pagam uma taxa de R$ 35 ou R$ 60 por apresentação (menos os espetáculos de rua) e sofrem com a desorganização e as adaptações necessárias no espaço que foi prometido assim, mas era assado.
Enquanto isso, o espectador se perde no emaranhado de sinopses-armadilhas que não deixam claro o que é demonstração de obra em processo, exercício experimental de dança-teatro, performance ou espetáculo no estrito senso da palavra.
“Tem muita porcaria, gente que entra em cena, faz sua catarse, mas se esquece do público”, afirma a fonoaudióloga Vera Santos, 49, que assistiu a várias peças.
O coordenador-geral do FTC, Victor Aronis, reconhece a falta de informação como um dos pontos críticos. O festival distribui gratuitamente um jornal diário com uma crítica e destaques, mas o conteúdo editorial deixa a desejar e não vence a demanda.
“Se nós, artistas com um mínimo de conhecimento, ficamos desorientados, imagine o público. Sem uma orientação, todos saem perdendo”, diz o diretor Luiz Fernando Marques, 28, do grupo XIX de Teatro (SP), revelado em 2002 com “Hysteria”, que voltou ao Fringe neste ano. Desta vez, não se encontrou um espetáculo de impacto na mostra.
Quando o Fringe surgiu, em 1998, foram apresentadas 32 peças. A expressão em inglês (franja, borda) é emprestada do Festival de Edimburgo, na Escócia, onde a programação off chega a mais de 700 grupos de teatro, dança etc.
Se comparada com a primeira, a nona edição curitibana foi multiplicada por seis: foram 192 peças neste ano (cinco a mais que 2005), descontados os 12 cancelamentos.
Os problemas de produção e de falta de qualidade não vêm de agora, mas ficaram mais evidentes nesses 11 dias em que foram ocupados 48 espaços da cidade.
A organização fala de um público de 110 mil pessoas (mesmo número de 2005). Pelo menos 50 mil estariam no Fringe. Mas algumas sessões foram canceladas por falta de platéia. A Folha presenciou apresentações com menos de dez espectadores.
Aronis resiste à seleção prévia pela qualidade dos projetos inscritos. Seu paradigma é o Fringe de Edimburgo, onde a participação se pretende democrática.
“Algum critério de qualidade ajudaria principalmente o público. Se uma pessoa vai ao teatro pela primeira vez e vê uma bomba, dificilmente voltará”, diz o diretor Marcos Damasceno, 28, de Curitiba, cidade que responde por 40% das produções da mostra. A maioria, segundo o diretor, presta um “desfavor” ao teatro.
No final da cobertura do evento, um grupo de jornalistas de vários Estados escreveu um manifesto no qual propõe um mecanismo de seleção mais consistente. “Diante da demanda de projetos, que se estabeleça um norte artístico e não meramente quantitativo. Não adianta mirar fixamente o modelo de Edimburgo se o contexto de nossa produção é outro”, diz o documento.