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“Dea Loher retoma dramaturgia social"

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Folha de S.Paulo

São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006

TEATRO 
Autora alemã de “A Vida na Praça Roosevelt” fala de solidão e niilismo em “Inocência”, montagem da companhia Os Satyros 

Nova peça mostra ciranda de culpas, desprezos e falta de compaixão; para Dea Loher, “teatro sem questões sociais não faz sentido” 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

Nascida no país de Bertolt Brecht, a dramaturga alemã Dea Loher, 42, passou anos esquivando-se do “teatro político”. “No início [final dos anos 1980], achava um pleonasmo. 

Todo teatro é político, ainda que o termo soe hoje desgastado e que provavelmente eu não o entenda como Brecht”, diz a autora de “A Vida na Praça Roosevelt”. 

Em boa parte das 13 peças de Loher, o teatro político ganha corpo por causa do desencanto dos personagens consigo mesmos, com o outro e com a sociedade, não necessariamente nesta ordem. “Se o teatro não tratar de questões sociais, ele não tem sentido”, afirma. 

Isso fica explícito em “Inocência”, a segunda visita da Cia. de Teatro Os Satyros à autora, também tradução e encenação de Rodolfo García Vázquez (Prêmio Shell 2005 de melhor diretor por “A Vida na Praça Roosevelt”). A montagem estréia hoje no Espaço dos Satyros Um, em São Paulo. A peça é uma ciranda de culpas, desprezos e falta de compaixão entre homens e mulheres, parentes, amigos ou amantes. São histórias que transcorrem paralelas cena a cena. 

Entre as formas de expiação, há a dos imigrantes em situação ilegal, Fadul e Elísio, em penitência por não salvar uma mulher que morre afogada. Temiam a deportação. 

Há a Senhora Zucker, que vê na opressão um modo de tangenciar seu amor pela filha, paradoxo sintetizado numa espécie de bordão: “Se trabalhasse num posto de gasolina, só precisava de um cigarro para fazer tudo voar pelos ares. Penso nisso às vezes. Mas nem tenho gás em casa”, diz, entre pausas. 

Há ainda os casos da jovem cega que dança numa boate, do rapaz que prepara os mortos, da filósofa em crise, do pai da filha assassinada, das suicidas -e por aí vão os quadros de angústia, baixa auto-estima, vazio ideológico, niilismo. 

“O que teria sido a vida se, num certo momento, eu tivesse tomado outra decisão?”, eis a questão-chave de “Inocência”. “A expressão da dor [que perpassa a peça] tem a ver com a busca do sentido da vida. Como poderia fazer melhor? Cada ação implica uma reação, um efeito físico ou espiritual sobre si e o outro”, diz Loher, formada em literatura e filosofia. 

Defendido por 13 atores, o texto traz diálogos em que os próprios personagens, às vezes, assumem a voz de narrador; às vezes, parecem fundir prosa e verso, extrato poético em meio à contundência da crítica social. Loher se diz adepta da estrutura de linguagem a menos ordinária possível. “Não tenho uma imaginação muito visual dos textos. Nunca poderia montar uma peça minha ou de outro autor. Mas tenho uma forte imaginação para o som da língua, a atmosfera a se criar.” 

Em outra peça sua em cartaz na cidade, “Cachorro” (2003), dirigida por Roberto Lage, os protagonistas também são seres à margem, um ladrão e uma prostituta. A inspiração é uma homenagem ao escultor suíço Giacometti, morto há 40 anos, com atalhos para a dramaturgia do francês Genet. Palavras, pois, malditas e benditas. 



Inocência
Onde: Espaço dos Satyros Um (pça. Roosevelt, 214, tel. 3258-6345). 
Quando: hoje, às 21h; qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h30; até 17/12. 
Quanto: R$ 25. 

Cachorro
Onde: Instituto Cultural Capobianco -sala Subterrâneo (r. Álvaro de Carvalho, 97, tel. 3237-1187) 
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até dezembro 
Quanto: R$ 20