17.8.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 2005
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Quando Alonso Quijano, o bom, põe-se dentro de uma armadura para cavalgar o mundo em “Dom Quixote”, ele será mobilizado pelo conflito da realidade exterior com aquela que ocupa o vão entre o seu corpo e a couraça de metal -a despeito do fiel contraponto realista do escudeiro Sancho Pança.
A mediação de espaços da realidade e do imaginário fornece algumas pistas para sondar a obra de Miguel de Cervantes à luz, ou melhor, à sombra deste século 21.
Na gramática, como na vida, às vezes uma crase, ou a ausência dela, pode mover moinhos. Daí vem “A Sombra de Quixote”, a primeira produção da Casa Laboratório para as Artes do Teatro, que inicia temporada no sábado no Sesc Belenzinho e integra a Mostra Sesc de Artes Mediterrâneo.
O caminho escolhido pela equipe de criação foi o do questionamento dos interstícios desse conflito, que levou o engenhoso fidalgo a deixar sua casa e perseguir os ideais cavalheirescos de justiça, paz e amor (além de sua amada Dulcinéia), como nos livros que o seduziram.
“Um homem veste armadura para fugir da realidade, mas uma outra realidade o chama, a teatral. Abandona o que endossou para viver um cotidiano nu e cru, em que não há espaço para a fantasia”, diz o ator paraense Cacá Carvalho, 51, que co-assina a direção com o italiano Roberto Bacci, colega da Fondazione Pontedera.
Para adentrar essa realidade “marionética”, neologismo cunhado por Carvalho, a dramaturgia do italiano Stefano Geraci elegeu passagens e temas do romance de 400 anos. Dom Quixote não é denominado, mas está lá, plenamente identificável pelo espectador.
A metáfora da sombra na peleja com a luz é como a dança da literatura com o teatro. “Importa o que a literatura sugere para o teatro e não o que o teatro pode botar de literatura dentro da cena”, diz Carvalho. O trabalho em grupo o faz lembrar de “Macunaíma” (1978), de Antunes Filho.
No galpão 2 do Belenzinho, o diretor de arte Márcio Medina “tirou tudo o que não era espaço” e criou uma caixa mágica, um salão em que o vermelho domina cenografia e figurinos, sob desenho de luz de Fábio Retti.
O conjunto Casa Laboratório surgiu em São Paulo no ano passado, em intercâmbio de Brasil e Itália -a ponte é a Fondazione Pontedera, que existe há 30 anos e com a qual Carvalho colabora há 18. Atina com a estabilidade do núcleo e conseqüente produção, formação e troca com a comunidade em geral. “Queremos o simples, eficaz e transformador”, frisa ele.