26.10.1997 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 26 de outubro de 1997. Caderno A – 6
VALMIR SANTOS
São Paulo – Passaram-se quase 30, anos, e 1968 continua dando o que falar. “Prova de Fogo”, a primeira peça de Cansuelo de Castro, foi escrita naquele ano. O texto, agora encenado pelo grupo Teatro da Universidade de São Paulo (Tusp), soa datado em boa parte do seu conteúdo ideológicó. Bill Clinton visitou o Brasil há poucos dias e não se viu grandes mobilizações anti-imperialismo ianque, como se rotulava o bicho-papão capitalista em tempos idos.
Descontado o blablablá infinitesimal sobre os papéis hístóricos da esquerda e da pequena burguesia, o que realmente continua chamando atenção em “Prova de Fogo” é a inconformação pungente dos seus personagens. Três décadas atrás, os estudantes não precisavam de minissérie televisiva para sair às ruas.
A força da união, com perdão do clichê, é a essência da peça de Consuelo de Castro. Seu olhar é coletivo. Quando cria atalhos para os relacionamentos amorosos, os diálogos perdem o brilho. Os paralelos pessoais, mesmo resvalando no comportamento da geração 68 (virgindade, aborto e fidelidade, remas recorrentes), são ofuscados pelo eixo político-social.
Nesta seara, Consuelo revela domínio pleno. Ela tinha 22 arios quando deu à luz sua primeira peça. Engajada no movimento estudantil à época, a autora escreveu do olho do furacão. A montagem do Tusp, sob direção de Abílio Tavares, privilegia esta tensão e centra fogo no coletivo.
São 28 atores, boa parte deles universitários sequer nascidos em 1968. No geral, demonstram pouca intimidade com a arte da representação. As marcações de cena são visíveis; toda a movimentação é rígida, “dura”, inclusive nas poucas coreografias.
A “moldura”, que esconde muito da espontaneidade, é compensada pela energia bruta do “coro”. É ali que Tavares explora toda a potencialidade desses jovens aguerridos. A rebeldia juvenil como conteúdo humanista está na intenção dos gestos; nos gritos de guerra; na disparada pelo palco-corredor do prédio da rua Maria Antonia, mesmo local onde se deu o conflito em 1968.
Um grupo de estudantes ocupa a Faculdade de Filosofia e Letras da USP (hoje endereço do Centro Universitário Maria Antonia). Protestam contra a reforma educacional do governo e endossam o descontentamento dos operários no País. A polícia dá ultimato de três dias para o prédio ser abandonado. “Prova de Fogo” se passa nesses eternos três dias, cruzando ficção e realidade.
Os universitários não cedem. A polícia, truculenta ao dobro naquela época, porque balizada pelo regime totalitário dos militares, invade o prédio e prende pelo menos 80 estudantes. Antes do cerco, a repressão havia matado um estudante que participava de uma passeata.
Abílio Tavares foi muito feliz na abertura e fechamento do espetáculo, com Luis (Milton Gruppo Jr.), o estudante assassinado. Primeiro, ele surge ingressando na escola. Depois, se despede para, em seguida, morrer estirado no chão. Nas duas ocasiões, sempre com o “testemunho ocular” da bandeira do Brasil. Passado e presente se encontram com recursos cênicos simples e eficientes.
A história de Consuelo de Castro parece um roteiro de filme, tanto impõe-se a ação, do início ao fim. Na montagem, destacam-se o cortejo das mães e a cena da invasão, com o corre-corre, gritos, tiros e bombas de gás simulados pela coreografia e pelo espocar de bombinhas.
Não há grandes intepretações. Álvaro Franco (Zé Freitas) tem o melhor desempenho, colocando bem a palavra, fazendo conciliar os lados Don Juan e revolucionário do líder dos estudantes. Dar peso e cadência às falas é o que falta a Cléuma Nunes Argolo (Júlia). O papel de amante e opositora em causa comum constitui, em si, um desafio que não é vencido em sua plenitude, por causa do desperdício das pausas. Boa surpresa Marília de Santis (Vilma) cantando ao violão. Idem para o bêbado de Regis Salvarani (Alberto), bambeando com segurança, sem fazer uso da caricatura. Quando atira sua arma imaginária contra as mazelas, apontando para a piatéia, esta engasga o sorriso com um silêncio pertubador.
Em 1993, Aimar Labaki montou a mesma peça, no mesmo local. O público seguia os atores em algumas salas do prédio. Com elenco maduro, por assim dizer, o espetáculo investia mais na interpretação. Havia densidade nas cenas.
Aqui, na “Prova de Fogo” do Tusp e Abílio Tavares, importa mais o trânsito, a “ponte” de uma geração reprimida, mas inquieta, para uma geração Coca-Cola, “livre” mas amorfa. Caíram os muros, os “ismos”. E os 28 atores que picham a parede, urram e aplaudem-se ao som de Legião Urbana estão a reivindicar todo o tempo do mundo. Infelizmente, a urgência dos tempos está aí. Por um instante, movido pelo impulso daqueles estudantes, a utopia parece se instalar. Contudo, é sair do teatro e lá vêm as imagens da exposição, no próprio saguão, das fotos terríveis de corpos de judeus mortos pelo regime nazista… Ontem, hoje e sempre?
Prova de Fogo – De Consuelo de Castro. Direção: Abílio Tavares. Com Tusp (Mariana Voos, Pedro Luis Sanches, Alexandre Lima, Anderson Silva Lins, Andréa Reis etc). Segunda a sábado, 21h; domingo, 20h. Centro Universitário Maria Antonia (rua Maria Antonia, 294, Santa Cecília, tel. 255-5538) R$ 10,00 e R$ 8,00 (sexta) 100 minutos.
“Peep Show” diverte sem compromisso
São Paulo – O descompromisso é a própria razão de ser de “Peep Show”. Um musical? Uma revista? Um show? Todos. O espetáculo parece o tempo todo em cena aberta. As 17 moças e os três rapazes dão conta de entreter com pouco samba no pé e muitas gags em torno do universo dos peep shows – cabines onde as garotas fazem striptease mediante depósito de ficha no caça-níquel (“Paris Texas”, 1976, o filme de Win Wenders, propagou este ícone voyeur).
Os diretores Maurício Morais e Marcos Botassi instalam um clima de boate no palco. Melhor, estendem o agito até às poltronas. Entra-se no Teatro Hilton e lá estão as peeps, as dançarinas voluptuosas em suas plumas e peças diminutas.
A história trata das tentativas ingratas de um cliente, Joel Jubileu (Antonune Nakhle), na escolha da moça que se encaixe no seu objeto do desejo: aquela que saiba sambar com molejo original.
Quem comanda a casa é Tânia Tubarão (Eliete Cigarini). Sob suas ordens, as garotas encarnam fantasias para atender ao menu de homens exigentes. Assim, Rose Rímel (Adriana Mattos), Pamela Power (Cibele Cavalli), Priscila Pistache (Cláudia Cavalheiro), Tina Thinner (Heloísa Nur), entre outras, vão desfilando suas “qualidades” para um insaciável Joel Jubileu.
Em meio ao périplo do cliente, desenrola-se a disputa pelo “ponto” das garotas, a chegada de “carne nova”, Fifi Frontal (Christina Guimarães) e o galentaio do soldado Rigobelo; (Tico D’Godoy).
Peep Show – De Maurício Morais e Marcos Botassi. Com Andréa Duque, Paula Miroe, Paulo Mendes, Veridiana Toledo e outros. Sexta e sábado, meia-noite. Teatro Hilton (rua Ipiranga, 165, Centro) R$ 20,00.