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“Rio Tietê é o primeiro-ator em BR3"

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“Rio Tietê é o primeiro-ator em BR3"

Folha de S.Paulo

São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

TEATRO 

Grupo faz ensaio aberto amanhã de “A Luta – Parte 2”; Zé Celso prepara rito para lembrar irmão assassinado em 1987

Ao navegar o rio para ver o espetáculo, público se impressiona com a paisagem; Vertigem faz último ensaio aberto

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

A água escura, o lixo flutuante, as pontes de concreto vistas de baixo, os faróis dos carros que parecem andar em câmara lenta nas marginais: o rio Tietê e sua paisagem monumental roubam a cena como um “primeiro-ator” em “BR3”, novo espetáculo do grupo Teatro da Vertigem.

“Estou no rio da minha cidade, onde nunca tinha entrado. Onde pessoas da minha família, meus avós, já nadaram. Daqui do barco, é um contraste saber que chegamos ao esgoto. É mais um esgoto do que um rio”, diz o representante comercial Antônio Luiz Gonçalves Junior, 39, ao final de uma apresentação.

Hoje é o último dia de ensaio aberto (os ingressos estão esgotados). A montagem deve estrear em fevereiro.

“Quando o pessoal da minha geração via o rio Tietê, a gente nunca pensava que um dia poderia navegar nele. O espetáculo já me pegou por aí”, diz a produtora cultural Áurea Karpor, 26.

Ela se deixou levar mais pelo impacto visual (direção de arte de Márcio Medina e desenho de luz de Guilherme Bonfanti). Parte da cenografia é feita de material reciclado. “As garrafas pet que via no leito do rio também estavam no cenário”, afirma Karpor, que disse ter ficado impressionada com a movimentação dos 13 atores.

Alguns deles iam da margem para o barco, e vice-versa, em botes nem sempre notados pelo grupo de cerca de 50 espectadores embarcados no Almirante do Lago, que também abriga cenas em seus três pavimentos. A equipe tem 70 pessoas, entre artistas, técnicos, marinheiros e seguranças.

Antes de embarcar, o professor Marcelo Henrique Pereira dos Santos, 31, queria saber como o grupo articularia as três regiões do país em que foi a campo para conceber o novo espetáculo: a cidade de Brasiléia (AC), Brasília e o bairro de Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo.

“Só existe Brasilândia porque existe Brasília, e só existe Brasiléia porque existe Brasilândia. Acho que tudo isso está amarrado: a necessidade de inventar a cidade perfeita, a religião perfeita, tudo é fruto da complexidade social do nosso país, para o bem e para o mal”, afirma Santos, morador em Brasilândia.

Criada em processo de colaboração, a dramaturgia de Bernardo Carvalho percorre três gerações da família de Jovelina (Marília de Santis). Nos anos 60, ela deixa o Nordeste em busca do marido, que morre durante a construção de Brasília. Segue para São Paulo, onde se torna chefe do tráfico.

A trajetória dela e dos dois filhos, Jonas (Roberto Áudio) e Helienay (Daniela Carmona), vai até os anos 90 e passa pela triangulação dos radicais “BR” no mapa.

Cada personagem segue seu caminho. Cruzam-se às vezes. Noutras, têm seus trajetos modificados, por exemplo, pela Evangelista (Cácia Goulart) e pelo Dono dos Cães (Sérgio Siviero), um policial. A peça entremeia passado e presente, com cenas dentro e fora do barco.

Uma das cenas-síntese de “BR3” talvez seja aquela em que um Jonas imberbe e o Barqueiro (Sérgio Pardal) disparam com a voadeira num redemoinho que põe todos em suspenso, espectadores que giramos por tabela.

O Brasil parece ter tomado um chá de cipó ou devotar tudo ao deus-dará. “Esse país não se enxerga”, diz um personagem. O espetáculo termina com o público no convés superior, a céu aberto, debaixo do “x” das pontes do complexo Ulysses Guimarães, na rodovia dos Bandeirantes. Um “x” que é ponto final?

Para realizar o sonho (ou pesadelo?) desta produção, o Vertigem tem apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, da Transrio Navegação Fluvial e do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE).



BR3 – ensaio aberto
Onde: rio Tietê (informações na secretaria do Teatro da Vertigem (r. Roberto Simonsen, tel. 0/xx/11/3241-3132) 
Quando: hoje, às 19h (se não chover) 
Quanto: grátis (ingressos esgotados)