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“Tom social domina cena em Curitiba"

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Folha de S.Paulo

São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

TEATRO 

Peças como “Angu de Sangue”, no Fringe, e “Besouro Cordão-de-Ouro”, na mostra oficial, expõem questões políticas
 

Tragicomédia “Gorilas” flagra um torturador em atividade e “O Chá” mostra decadência da elite a partir de um círculo de amigas

VALMIR SANTOS
Enviado especial a Curitiba

Visto por cerca de 120 mil espectadores, segundo a organização, o 16º Festival de Teatro de Curitiba terminou ontem descortinando bons espetáculos pautados pelas tônicas social e política. Um apanhado do que a reportagem conferiu nas mostras oficial e paralela (Fringe) permite compor o quadro. 

Quem puxa o recorte é “Besouro Cordão-de-Ouro”, espetáculo do Rio, parceria do diretor João das Neves e do compositor e agora dramaturgo Paulo César Pinheiro. É como se esses artistas, de certa forma herdeiros do Centro Popular de Cultura, em 1960/70, atualizassem o espírito da época. 

Não cabe mais o discurso pelo discurso: o protesto se dá pela arte, ponto. No caso, a capoeira evocada por meio da história do personagem-título. É um trabalho com um quê de musicais históricos como “Arena Conta Zumbi” (1965). Aqui, uma narrativa cantada e dançada por um talentoso e carismático elenco de atores negros. 

Essa perspectiva também chega ao Fringe. Em “Barrela”, montagem baiana da peça de Plínio Marcos, o diretor Nathan Marreiro encontra terreno propício para aplicar sua experiência de dez anos de teatro comunitário em Salvador. 

Surpreendeu-se com o espaço que lhe reservaram num shopping. Mas subverteu o ambiente com um varal de roupas puídas, até na escada rolante, e instaurou desde ali o drama dos homens no xadrez -tão urgente quanto em 1958, quando foi escrito. O público entra e sai como se numa visita a um presídio e, ao cabo, é impedido por seguranças de aplaudir o inferno urbano que testemunhou. 

De Recife, o diretor Marcondes Lima traduziu com igual crueza os contos de Marcelino Freire, luz sobre os muquifos, como diria Plínio, de qualquer metrópole. 

Esse estilhaçamento chega ao andar de cima da sociedade, como retrata “O Chá”, com o grupo carioca Bonecas Quebradas e direção de Luciana Mitkiewicz. Uma comédia sobre três mulheres das altas rodas que, depois, evolui para o drama como ele é e revela que o buraco é mais embaixo. 

O tragicômico “Gorilas”, texto e direção de Celso Cruz, de São Paulo, com atuação solo de Marcos Suchara, olha no retrovisor da história brasileira. Flagra um torturador em pleno exercício diante da vítima, uma mulher, no dia seguinte à implantação do AI-5, em 1968. 

A Companhia Teatro de Demolição, do Rio, dirigida por Gustavo Rocha, foca a repressão. Também alude à ditadura militar em “Catástrofe da Borboleta”, dramaturgia colaborativa, mas os personagens soam universais em suas condições de violentos ou massacrados. 

Enfim, são peças-ilhas num festival que, apesar da ostensiva e irritante ação de marketing dos patrocinadores, ainda seleciona peças por meio de fita de vídeo. O que resulta em constrangimentos como “O Contêiner”, d’A Outra Companhia (BA), em plena mostra oficial em que nunca deveria estar. 



O jornalista VALMIR SANTOS , a repórter-fotográfica LENISE PINHEIRO e o crítico SERGIO SALVIA COELHO viajaram a convite da organização do Festival de Teatro de Curitiba