12.11.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005
TEATRO
Líder dos Parlapatões reestréia duas peças, entre elas “Prego na Testa”, e assina direção cênica de ópera
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Na cena paulistana há 14 anos, o grupo Parlapatões, Patifes & Paspalhões é sinônimo de Hugo Possolo. Ele diz que não, que é vício da mídia eleger “este ou aquele em detrimento de uma figura coletiva”. No entanto, a semana é emblemática: o palhaço, ator, dramaturgo e encenador remonta “Auto dos Palhaços Baixos” (2004) no Teatro Folha (sessões às quintas e sextas), sala onde os Parlapatões também integram o projeto “Nunca se Sábado” (à meia-noite).
Volta a defender o monólogo-pancadão “Prego na Testa”, a partir de hoje no Crowne Plaza; e ainda assina a direção cênica da ópera “Il Campanello di Notte”, cuja última récita ocorreu ontem no teatro São Pedro.
“Tenho o maior interesse no poder metafórico do humor quando ele instiga à reflexão”, diz Possolo, 43. A seguir, os principais trechos da sua entrevista.
Folha – Você sente-se à vontade ao transitar do baixo ventre para a chamada alta cultura?
Hugo Possolo – Nunca separei cultura em alta e baixa. As minhas piadas, por vezes bem baixas, têm altos objetivos, como detonar o moralismo e a caretice, principalmente da nossa elite tacanha. A ópera é um gênero que já foi muito popular, cujo aspecto de espetacularidade tem um parentesco fortíssimo com o circo. É bom poder mostrar um trabalho de alta qualidade musical, com comicidade e que não se encaixa na pasteurização dos musicais enlatados que são contrabandeados da Broadway.
Folha – Escrito por Eric Bogosian nos EUA de uma década atrás, “Prego na Testa” parece dizer muito ao Brasil de hoje.
Possolo – A atualidade do texto me impressionou muito, principalmente quando vejo a reação do público. A civilização ainda não mostrou a que veio. O ser humano está sempre em xeque. Muito desse conflito vem do crescimento desproporcional das cidades. Nova York e São Paulo são miseravelmente parecidas.
Folha – Em que medida o teatro dos Parlapatões é, em essência, um teatro político? Ou não é o caso?
Possolo – O teatro exerce uma faceta do poder, a de se manifestar. Divertir as pessoas é um ato político em si. Neste sentido, nossa ação é política. Não me agrada o teatro engajado, cheio de recadinhos. Também não tenho saco para teatro hermético, que só agrada aos poucos sábios que dizem compreendê-lo. A grande força da arte é sua capacidade de comunicação. Um país que tem Zé Celso [Martinez Corrêa] e que tem o Carnaval de Joãosinho Trinta, o cinema de Glauber Rocha e a poesia voraz de Oswald de Andrade sabe que é possível a arte com enorme poder político, sem que ela seja arrogante ou chata.
Folha – Você ficou um ano na coordenação de circo da Funarte [órgão ligado ao Ministério da Cultura]. O governo Lula tem política para a cultura?
Possolo – Nem a esquerda nem a direita conseguem entender o quanto é necessário que a cultura seja tratada como prioridade de Estado. Não é apenas dar dinheiro para a arte, mas principalmente acesso e permitir que a população se manifeste artisticamente.
O presidente da República, cuja origem é popular, não vai ao teatro. Os ministros da área econômica não demonstram muito apreço pelas artes. Por mais que o ministro Gilberto Gil propague que a cultura hoje seja uma prioridade de Estado, não conseguiu tornar esta idéia um fato. A meu ver, poderá ser chamada de prioridade quando o orçamento do ministério for perto de 5%. O resto é discurso.