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Folha de S.Paulo

Hugo Possolo alia humor e reflexão em três espetáculos

12.11.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

TEATRO 
Líder dos Parlapatões reestréia duas peças, entre elas “Prego na Testa”, e assina direção cênica de ópera

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Na cena paulistana há 14 anos, o grupo Parlapatões, Patifes & Paspalhões é sinônimo de Hugo Possolo. Ele diz que não, que é vício da mídia eleger “este ou aquele em detrimento de uma figura coletiva”. No entanto, a semana é emblemática: o palhaço, ator, dramaturgo e encenador remonta “Auto dos Palhaços Baixos” (2004) no Teatro Folha (sessões às quintas e sextas), sala onde os Parlapatões também integram o projeto “Nunca se Sábado” (à meia-noite).

Volta a defender o monólogo-pancadão “Prego na Testa”, a partir de hoje no Crowne Plaza; e ainda assina a direção cênica da ópera “Il Campanello di Notte”, cuja última récita ocorreu ontem no teatro São Pedro.

“Tenho o maior interesse no poder metafórico do humor quando ele instiga à reflexão”, diz Possolo, 43. A seguir, os principais trechos da sua entrevista.


Folha – Você sente-se à vontade ao transitar do baixo ventre para a chamada alta cultura?

Hugo Possolo
Nunca separei cultura em alta e baixa. As minhas piadas, por vezes bem baixas, têm altos objetivos, como detonar o moralismo e a caretice, principalmente da nossa elite tacanha. A ópera é um gênero que já foi muito popular, cujo aspecto de espetacularidade tem um parentesco fortíssimo com o circo. É bom poder mostrar um trabalho de alta qualidade musical, com comicidade e que não se encaixa na pasteurização dos musicais enlatados que são contrabandeados da Broadway.

Folha – Escrito por Eric Bogosian nos EUA de uma década atrás, “Prego na Testa” parece dizer muito ao Brasil de hoje.

Possolo
A atualidade do texto me impressionou muito, principalmente quando vejo a reação do público. A civilização ainda não mostrou a que veio. O ser humano está sempre em xeque. Muito desse conflito vem do crescimento desproporcional das cidades. Nova York e São Paulo são miseravelmente parecidas.
 

Folha – Em que medida o teatro dos Parlapatões é, em essência, um teatro político? Ou não é o caso?

Possolo
O teatro exerce uma faceta do poder, a de se manifestar. Divertir as pessoas é um ato político em si. Neste sentido, nossa ação é política. Não me agrada o teatro engajado, cheio de recadinhos. Também não tenho saco para teatro hermético, que só agrada aos poucos sábios que dizem compreendê-lo. A grande força da arte é sua capacidade de comunicação. Um país que tem Zé Celso [Martinez Corrêa] e que tem o Carnaval de Joãosinho Trinta, o cinema de Glauber Rocha e a poesia voraz de Oswald de Andrade sabe que é possível a arte com enorme poder político, sem que ela seja arrogante ou chata.
 

Folha – Você ficou um ano na coordenação de circo da Funarte [órgão ligado ao Ministério da Cultura]. O governo Lula tem política para a cultura?

Possolo
Nem a esquerda nem a direita conseguem entender o quanto é necessário que a cultura seja tratada como prioridade de Estado. Não é apenas dar dinheiro para a arte, mas principalmente acesso e permitir que a população se manifeste artisticamente.

O presidente da República, cuja origem é popular, não vai ao teatro. Os ministros da área econômica não demonstram muito apreço pelas artes. Por mais que o ministro Gilberto Gil propague que a cultura hoje seja uma prioridade de Estado, não conseguiu tornar esta idéia um fato. A meu ver, poderá ser chamada de prioridade quando o orçamento do ministério for perto de 5%. O resto é discurso.



Prego na Testa
Quando:
reestréia hoje, às 21h; sáb., às 21h, e dom., às 20h. Até 18/12 
Onde: Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, tel. 3289-0985) 
Quanto: R$ 30

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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